quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Razão na História - IV. O curso da História no mundo

A Razão na História:
Uma Introdução Geral à Filosofia da História



IV. O CURSO DA HISTÓRIA DO MUNDO

1. O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO


Pag. 106-107

O princípio do desenvolvimento implica ainda que isso esteja baseado em um princípio interior, uma potencialidade pressuposta, que se esforça por existir. Essa determinação formal é essencialmente o Espírito — cujo cenário, cuja propriedade e cuja esfera de realização são a história do mundo. Ela não se debate na ação externa dos acidentes, pelo contrário, é absolutamente determinada e firme contra eles.

Utiliza-os para seus objetivos e domina-os. Mas o desenvolvimento também é uma característica dos objetos naturais orgânicos. Sua existência não é apenas dependente, sujeita às influências externas, mas vem de um princípio imutável, uma simples essência, que primeiro existe como germe. A partir dessa existência simples ele produz diferenciações que a ligam às outras coisas. Assim, ele tem uma vida de transformação contínua. Por outro lado, podemos observá-lo do ponto de vista oposto, vendo nisso a preservação do princípio orgânico e de sua forma. Desta maneira o indivíduo orgânico produz a si mesmo, transforma-se realmente naquilo que é potencialmente. Da mesma forma, o Espírito é apenas aquilo em que se transforma e transforma-se realmente naquilo que é potencialmente.

O desenvolvimento do organismo continua de maneira imediata, direta (não dialética), sem impedimentos. Nada pode interferir entre o conceito e a sua realização, entre a natureza inerente do germe e a adaptação de sua existência à sua natureza. É diferente com o Espírito. A transição de sua potencialidade para a realidade é mediada pela consciência e a vontade. Estas são mergulhadas primeiro na vida orgânica imediata, seu primeiro objetivo é a sua existência natural como tal. Mas esta última, sendo animada pelo Espírito, torna-se infinitamente exigente, rica (de uma riqueza moral) e forte. Assim o Espírito está em guerra consigo mesmo, deve superar-se como inimigo e como seu mais formidável obstáculo. O desenvolvimento, que na natureza é um tranqüilo desdobramento, no Espírito é uma dura luta interminável contra si mesmo. O Espírito realmente se esforça por atingir seu próprio ideal, mas o esconde de si mesmo e se orgulha e tem prazer nesta alienação de si mesmo.

O desenvolvimento histórico portanto não é o simples crescimento inofensivo e sem oposição da vida orgânica, mas um duro trabalho feito de má vontade contra si mesmo. Além do mais, não é um simples desenvolvimento em geral, mas a obtenção de um resultado de conteúdo inequívoco. Esta finalidade já afirmamos desde o início: é o Espírito em sua essência, o conceito de liberdade. Este é o objetivo fundamental e, por conseguinte, o princípio orientador do desenvolvimento. Através dele o desenvolvimento recebe um sentido e um significado — exatamente como na história romana, Roma é o objetivo e, assim, o princípio orientador da investigação de acontecimentos passados. Ao mesmo tempo, os acontecimentos se originam desse objetivo e têm um significado e um conteúdo apenas com referência a ele.


Pag. 107-108

Portanto, a história do mundo representa as fases no desenvolvimento do princípio cujo conteúdo é a consciência da liberdade. A análise de suas fases geralmente pertence à Lógica. A de sua especial natureza concreta pertence à Filosofia do Espírito.1 Iremos aqui apenas repetir que a primeira etapa é a imersão do Espírito na vida natural e a segunda, a saída para a consciência de sua liberdade.

Esta primeira emancipação da natureza é incompleta e parcial, vem de sua naturalidade imediata,  ainda se refere a ela e por isso ainda está por ela sobrecarregada, como um de seus elementos. A terceira etapa é a elevação da alma desta ainda especial forma de liberdade para a pura universalidade da liberdade, onde a essência espiritual chega à consciência e ao sentimento de si mesma. Estas etapas são os princípios fundamentais do processo universal. Cada uma delas é, mais
uma vez, dentro de si mesma, um processo de sua própria formação. Mas, deixemos o detalhamento dessa dialética interior de transição para mais adiante.

Aqui temos apenas de mostrar que o Espírito começa com sua possibilidade infinita, mas apenas possibilidade — com seu conteúdo absoluto em uma forma subdesenvolvida, como seu objetivo e meta, que só atinge em resultado de sua atividade. Somente neste momento, e apenas neste momento, é que o Espírito atingiu a sua realidade. Assim, a existência, progresso, aparece como um avanço a partir do imperfeito para o mais perfeito. Mas o primeiro não deve ser tomado apenas em abstração, como o simplesmente imperfeito e sim, como o que ao mesmo tempo contém o seu próprio oposto como germe, o chamado perfeito, um impulso dentro de si mesmo. Da mesma maneira, pelo menos em pensamento, a possibilidade aponta para algo que deverá tornar-se real — mais precisamente, a dynamis aristotélica também é potentia, poder e força. Assim, o imperfeito, sendo o oposto de si em si, é sua própria antítese que por um lado existe mas, pelo outro, é anulado e dissolvido. Ele é o impulso da vida espiritual em si, o anseio para romper o envoltório da natureza, da sensualidade, de sua alienação, e atingir a luz da consciência — ou seja, de seu próprio eu.







2. A ORIGEM DA HISTÓRIA

a. A pré-história da Razão

Pag. 111

A investigação filosófica pode e deve começar o estudo da história apenas onde a Razão começa a manifestar sua existência no mundo, onde aparecem a consciência, a vontade e a ação e não onde tudo isso ainda é uma potencialidade irrealizada. A existência inorgânica do Espírito, a capacidade ainda inconsciente — ou, se preferem, a excelência — da liberdade, do bem e do mal e, assim, das leis não é o objeto da história. A moral natural e ao mesmo tempo religiosa é a lealdade da família. Nesta sociedade a moral consiste no próprio fato de que seus membros se comportem uns para com os outros não por livre-arbítrio como indivíduos, não como pessoas. É por essa mesma razão que a família continua excluída do desenvolvimento em que a história teve sua origem (ela é pré-histórica).


b. O Estado como condição da história

Falando de um Estado Ideal tece criticas ao sistema de castas da India, embora faça elogios aos livros religiosos e poéticos desse pais. Diz que a China contrasta com a India.


Somente em um Estado com a consciência das leis existem ações claras e essa consciência é clara o suficiente para fazer com que os registros sejam possíveis e desejáveis. Impressiona a todos os que conhecem os tesouros da literatura indiana o fato de que este país, tão rico em produtos intelectuais de grande profundidade, não tenha uma história. Nisso, a Índia contrasta de maneira impressionante com a China, que possui uma história notável, que vai até os mais antigos tempos. A Índia não tem apenas livros antigos de religião e esplêndidos trabalhos de poesia, mas também antigos códigos de leis — mencionados acima como uma condição para a formação da história — e, mesmo assim, não tem uma história. Neste país o desejo de organização, que começa a diferenciar a sociedade, petrificou-se em seguida em distinções naturais de castas. As leis dizem respeito aos direitos civis, mas fazemnos dependentes destas distinções naturais. Elas basicamente determinam as
prerrogativas das castas umas para com as outras — erros em vez de acertos, ou melhor, os privilégios das castas superiores sobre as inferiores. Com isto, o elemento de moral está fora do esplendor da vida indiana e suas instituições políticas. Devido à servidão implícita nos sistemas de castas, em toda relação histórica há uma arbitrariedade extrema, uma dinâmica passageira que na verdade atormenta, sem um objetivo de progresso ou desenvolvimento. Assim, não existe uma memória refletida, não há um objeto para Menmósina. Uma fantasia profunda e impetuosa
vagueia por toda a região que, para poder criar a história, precisaria de um objetivo dentro da realidade e, ao mesmo tempo, de muita liberdade.


c. O papel histórico da língua

Hegel acha que tribos e povos possuírem uma língua não tem muita significação. A significação maior apenas aparece com o surgimento da Razão, quando o espírito tem consciência de si, e tal consciência deságua na formação do Estado. Este já com seu ordenamento jurídico (Leis); sua consciência coletiva (consciência clara de que forma um povo); etc.

Pag. 114-115

A fala é obra da inteligência teórica, em seu verdadeiro sentido — é a sua expressão exterior. Sem a linguagem, os exercícios de memória e de imaginação são manifestações diretas (não teóricas). Essa realização teórica e seu conseqüente desenvolvimento e também os fatos objetivos a ela associados — a disseminação dos povos sobre a terra, a separação uns dos outros, seu entrelaçamento e suas perambulações — permanecem encobertos na obscuridade de um passado silencioso. Não são atos de uma vontade que se torna consciente, nem atos de uma liberdade que se dá uma forma fenomenal e uma realidade. Esses povos não compartilham o verdadeiro elemento da história, apesar do desenvolvimento de sua língua. Por essa razão, eles não atingiram existência histórica. O rápido crescimento da língua e o progresso e dispersão das nações ganham um significado e um interesse pela Razão apenas quando entram em contato com os Estados ou quando começam a formar Estados autônomos.


3. O RUMO DO DESENVOLVIMENTO

a. O princípio de um povo


Exemplos de coragem, temeridade indomável, traços de nobreza, de abnegação e desprendimento encontrados entre as nações mais selvagens e entre as mais pusilânimes são vistos como prova suficiente de que nelas existem tanto ou mais moral e ética quanto nos Estados cristãos mais civilizados — e assim por diante.

Baseada nisso, surge então a dúvida de se os homens no progresso da história e no desenvolvimento da cultura se teriam tornado melhores, afinal, ou se a sua moral teria aumentado — entendendo-se aqui moral apenas como a intenção e compreensão subjetivas do agente, sua própria idéia do que é certo ou errado, do que é o bem ou o mal, e não como um princípio que seja por si mesmo correto e bom, errado e mau, não como uma determinada religião que se acredita ser a verdadeira.

Não precisamos deixar evidente o formalismo e o erro que há em uma visão como essa, nem estabelecer os verdadeiros princípios da moral — ou antes, opor a ética à falsa moral. A história do mundo está em um nível mais elevado do que o da moral. A localização da moral é o sentimento individual, a consciência pessoal, a maneira de agir e a vontade particulares. Estes têm os seus próprios valores, responsabilidades, recompensas ou castigos. As exigências e as realizações do
objetivo absoluto do Espírito, trabalho da Providência, estão acima das obrigações e responsabilidades que recaem sobre os indivíduos em relação à sua moral.


Pag. 122

Essa diversidade diz respeito à Razão ponderada e à liberdade, da qual a Razão é a consciência e a qual tem a mesma raiz do Pensamento. Como não é o animal, mas apenas o homem quem pensa, é só ele que tem a liberdade — e somente porque ele pensa. A consciência faz com que o indivíduo se compreenda como pessoa, em sua singularidade como um universo em si mesmo, capaz de abstração, de submeter toda a particularidade e por isso entendendo-se como sendo inerentemente infinito.

Portanto, as esferas que estão fora da sua compreensão (ou seja, as que não são individuais) são a base comum dessas diferenças culturais. Mesmo a moral, tão intimamente associada à consciência da liberdade, pode ser muito pura mesmo quando essa consciência ainda esteja ausente. Ela expressa apenas os deveres e os direitos gerais como ordens objetivas ou se detém em normas simplesmente negativas, como a elevação formal da alma, a renúncia à sensualidade e a todos os motivos sensuais. A moral chinesa obteve os maiores louvores e o reconhecimento dos europeus desde o momento em que estes passaram a conhecer a sua ética e os textos de Confúcio, especialmente de parte daqueles que tinham um bom conhecimento da moral cristã. Também é reconhecida a magnificência com que se expressam a religião, a filosofia e a poesia (em sua forma mais elevada) da Índia, pedindo a eliminação e o sacrifício da sensualidade. Deve-se no entanto dizer que estas duas nações não têm absolutamente a consciência essencial do conceito de liberdade. Para os chineses, as leis morais são como leis da natureza — exteriores, ordens positivas, direitos e deveres compulsórios ou regras de cortesia de uns para com os outros. Está ausente a liberdade através da qual as determinações materiais da Razão se tornam convicção moral.


A seguir, e é importante atentar nisso, Hegel usa a palavra espírito como a somatória geral das características de um povo.

Pag. 123

O que devemos reconhecer claramente é o espírito real de um povo. Sendo espírito, ele só poderá ser apreendido espiritualmente, através do pensamento. É este espírito que surge em todos os feitos e todas as tendências do povo, é ele que se realiza, que satisfaz seu ideal e que se conhece. Entretanto, a mais elevada realização do espírito é o conhecimento de si mesmo e não apenas o conhecimento intuitivo, mas um conhecimento racional de si mesmo. Isto ele deve e está destinado a realizar, mas esta realização é ao mesmo tempo a sua queda. É a ascensão de um outro espírito, um outro povo da história do mundo, uma outra época dessa história.
Esta transição e ligação dos espíritos nacionais nos levam à ligação do conjunto, ao conceito de história do mundo, que iremos agora examinar mais de perto e que devemos entender.


Pag. 123

b. A dialética dos princípios nacionais

Pag. 124-125

Mas passamos a um outro pensamento da mesma forma associado intimamente à idéia de mutação, o fato positivo de que a ruína também é ao mesmo tempo o surgimento de uma vida nova, de que da vida surge a morte e da morte, a vida. Este é um grande pensamento que os orientais compreenderam plenamente e que é o mais elevado pensamento da sua metafísica. Na idéia da migração das almas ela se refere aos indivíduos. Em sua imagem talvez mais conhecida a Fênix está relacionada a toda vida natural, eternamente preparando a sua pira e se consumindo de maneira a que de suas cinzas surja sempre a vida nova e rejuvenescida. Mas este quadro é asiático e não ocidental. O Espírito, devorando seu envoltório mundano, não passa apenas para um outro envoltório, não renasce rejuvenescido das cinzas de seu corpo, mas delas ressurge glorificado, transfigurado, um Espírito mais puro. É verdade que ele age contra si mesmo, devora sua própria existência — mas, ao fazer isso, elabora essa existência, o corpo se torna material para o trabalho de elevar-se para um novo corpo.

Devemos então refletir sobre o espírito neste aspecto. Suas transformações não são simples transições rejuvenescedoras, retornos à mesma forma. Elas são aperfeiçoamentos de si mesmo, através dos quais multiplica o material para seus esforços. Assim, ele experimenta muitas dimensões e várias direções, desenvolvendo e exercitando-se, satisfazendo a si mesmo incansavelmente. Cada uma de suas criações, que já o satisfizeram, apresenta um novo material, um novo desafio para um aperfeiçoamento maior. O pensamento abstrato da simples mutação dá lugar ao pensamento do Espírito que se manifesta, se desenvolve e aperfeiçoa suas forças em todas as direções que sua natureza multiforme pode seguir. Compreendemos as forças que ele possui pela multiplicidade de seus resultados e suas formações. Nesta atividade cheia de prazeres ele trata apenas de si mesmo. Embora envolvido com as condições da natureza interior e exterior, ele não irá realmente opor-se a elas ou colocar-lhes obstáculos, mas irá muitas vezes falhar e sentir-se derrotado pelas complicações em que se emaranha pela natureza ou por si mesmo. Quando ele sucumbe, é no decorrer de sua função e de seu destino e, mesmo nesse instante, ele oferece o espetáculo de se haver provado como atividade espiritual.

A própria essência do espírito é a ação. Ele se torna o que essencialmente é — ele é o seu produto, o seu próprio trabalho. Assim, ele se torna o objeto de si mesmo,  vê-se como uma existência exterior e, da mesma forma, o espírito de um povo: é um espírito de características muito bem definidas, que se constrói em um mundo objetivo. Este mundo existe e permanece em sua religião, seu culto, seus costumes, sua constituição e suas leis políticas em toda a esfera de suas instituições, seus acontecimentos e seus feitos. Este é o seu trabalho: um povo, é isso que é uma
nação! Os povos são o que são os seus feitos.


Sobre o trabalho, e como isto se relaciona com a vida e a moral de um povo.

Pag. 127-128

No trabalho está contida a característica natural da universalidade, a do Pensamento. Sem o Pensamento, ele não tem objetividade, o pensamento é a sua definição fundamental. O ponto mais alto do desenvolvimento de um povo é a consciência racional de sua vida e sua condição, a compreensão científica de suas leis, seu sistema judiciário, sua moral. Nessa unidade (do objetivo e do subjetivo) é que está a unidade mais íntima em que o Espírito pode estar consigo mesmo.

Objetivo de seu trabalho é ter a si mesmo como objeto, mas ele só pode ter-se como objeto pensando em si.

Neste ponto, o Espírito conhece os seus princípios, a característica universal de suas ações. Mas este trabalho do Pensamento, sendo universal, ao mesmo tempo é na forma diferente do trabalho real do particular e da vida material que o desempenha. Nisso, temos ao mesmo tempo uma existência real e uma ideal. Se desejamos, por exemplo, obter uma representação geral e uma concepção dos gregos e sua vida, iremos encontrá-las em Sófocles e Aristófanes, em Tucídides e Platão.
Nesses indivíduos o espírito grego apreendia-se em pensamento e esta é sua mais profunda satisfação, ao mesmo tempo ideal e diferente de sua realidade ativa.

Nesse momento, um povo irá necessariamente encontrar satisfação na idéia de virtude. Falar sobre a virtude em parte acompanha, mas em parte substitui, a verdadeira virtude. Por outro lado, o pensamento universal puro, sendo universal, poderá trazer o especial e o espontâneo — a fé, a confiança e o costume — para a reflexão sobre si mesmo e a existência simples e primitiva. Assim,
apresenta-se o limite da vida sem reflexão, proporcionando em parte razões para abandonar os deveres e, parte, questionando-se sobre as razões e a ligação com o pensamento universal. Por fim, não encontrando esta ligação, tenta acabar com o dever, como destituído de uma boa fundamentação.

Com isso11 aparece o isolamento dos indivíduos uns dos outros e, em relação ao conjunto, aparecem o seu egoísmo agressivo e a sua vaidade, eles procuram tirar vantagem e satisfação à custa do todo. O princípio interior desse isolamento ao transcender suas manifestações exteriores é subjetivo também na forma — egoísmo e corrupção nas paixões irrefreadas e nos interesses egoístas dos homens.


Pag. 129-130

A percepção, que é a compreensão do ser através do pensamento, é a fonte e o local de nascimento de uma nova forma espiritual, mais elevada, cujo princípio é parte preservador e parte transfigurador de sua matéria. O Pensamento é o universal, a espécie que é imortal e que preserva sua identidade. A forma particular do Espírito não apenas morre naturalmente no tempo, mas é anulada pela atividade automática que se espelha da consciência. Como esta anulação é atividade do Pensamento, ela é preservação e transfiguração. Enquanto isso, por um lado, o Espírito elimina a realidade, a permanência daquilo que é, por outro lado, ganha desse modo a essência, o Pensamento, o universal daquilo que apenas foi (sua condição efêmera).

Seu princípio já não é mais o conteúdo e objetivo imediato que havia sido anteriormente, mas a essência daquilo.

O resultado deste processo é que o Espírito, ao objetivar-se e com  isso tornando-se também objeto de seu pensamento, por um lado destrói esta sua forma determinada de ser e, por outro, apreende a sua universalidade. Ele nos proporciona uma nova forma para seu princípio. Com isso, o caráter substancial do espírito nacional foi alterado, seu princípio passa a ser novo e mais elevado.

É importantíssimo para a plena compreensão da história apreender e possuir o pensamento envolvido nessa transição. Um indivíduo como unidade atravessa diversos estágios e continua sendo o mesmo indivíduo. O mesmo acontece com o povo, até que o seu Espírito atinja um estágio universal. Nisto consiste a necessidade interior e conceitual de sua mudança. Temos aqui a essência, a própria alma da compreensão filosófica da história.

O Espírito é essencialmente o resultado de sua própria atividade. Sua atividade é a transcendência da existência imediata, negando-a voltando para dentro de si mesmo. Podemos compará-lo à semente de uma planta, que é o começo e o resultado de toda a vida da planta. A impotência da vida se manifesta precisamente nesta desintegração de começo e fim. O mesmo ocorre nas vidas dos indivíduos e nas dos povos. A vida de um povo produz um fruto da maturidade. Sua atividade
visa realizar o seu princípio. Mas este fruto não cai de volta no ventre que o produziu e amadureceu — pelo contrário, torna-se um veneno para esse povo. O povo não consegue abandoná-lo, pois tem uma sede insaciável dele.

Tomar o veneno é a destruição do que bebe, embora seja ao mesmo tempo o surgimento de um novo princípio.

Já discutimos o objetivo final deste processo. Os princípios dos espíritos nacionais progredindo por uma necessária sucessão de fases são apenas momentos do Espírito universal, que através deles se eleva e se completa em uma totalidade abrangente.

Assim, enquanto estamos preocupados exclusivamente com a idéia do Espírito e  levando em consideração apenas o conjunto da história do mundo como não sendo senão a sua manifestação, estamos tratando apenas do presente — por mais longo que seja o passado que estudarmos. [Não há tempo em que o Espírito não tenha estado ou não estará; ele não foi, nem ainda está por ser. Ele é eterno agora.] A Idéia está sempre presente, o Espírito é imortal. [O que é verdadeiro é eterno em si e por si, não ontem e nem amanhã, mas agora, no sentido de uma presença absoluta. Na Idéia, o que pode parecer estar perdido está preservado eternamente.] Isso
implica que a fase atual do Espírito contém todas as fases anteriores em si. Estas na verdade se desdobraram sucessiva e separadamente, mas o Espírito ainda é o que em si sempre foi. As distinções entre essas fases não são mais que o desenvolvimento de sua natureza essencial. A vida do Espírito sempre eternamente presente é um ciclo de fases que ainda existe lado a lado mas que, em outro aspecto, parece ser passado. Os momentos que o Espírito parece haver deixado para trás, ainda possui na profundeza de seu presente.

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