quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Razão na História - III. A idéia de História e sua compreensão

A Razão na História:
Uma Introdução Geral à Filosofia da História


III. A IDÉIA DE HISTÓRIA E SUA COMPREENSÃO



Pensar sobre a Razão pressupõe uma questão:
Qual o objetivo final do mundo?

Desta questão temos que o objetivo deve ser realizado e compreendido.

Pag. 61-62


Para início de conversa, deve-se observar que a história do mundo está no domínio do Espírito. A palavra “mundo” inclui a natureza física e a natureza psíquica. A natureza física desempenha um papel na história do mundo e, desde o começo, devemos chamar a atenção para as relações naturais fundamentais envolvidas nisso. Mas o Espírito e o rumo de seu desenvolvimento são a matéria da história. Não devemos contemplar a natureza como um sistema racional em si, em seu domínio particular, mas apenas em sua relação para com o Espírito.

Haveria uma forma mais clara para definir as relações do Espírito com a matéria, por Hegel denominada de natureza?

[Depois da criação da natureza surge o Homem. Ele constitui a antítese ao mundo natural, é o ser que se eleva até o segundo mundo. Temos dois reinos em nossa consciência universal, o reino da Natureza e o reino do Espírito. O reino do Espírito consiste naquilo que é apresentado pelo homem. Pode-se ter todo tipo de idéias a respeito do Reino de Deus, mas sempre haverá um reino do Espírito para ser claramente compreendido e realizado no homem.

O reino do Espírito abrange tudo, inclui tudo aquilo que alguma vez interessou ou interessará ao homem. O homem é ativo nele — seja o que for que faça, o homem é a criatura na qual o Espírito obra. Por isso é interessante, no correr da história, aprender a conhecer a natureza  espiritual em sua existência, ou seja, o ponto em que se unem o Espírito e a Natureza, que integram a natureza humana.


Pag. 62-63
Ao contemplar a história do mundo, devemos considerar seu objetivo final.
Este objetivo final é aquilo que é determinado no mundo em si. De Deus sabemos que é o mais perfeito, Ele pode controlar apenas a si mesmo e ao que é como Ele. Deus e a natureza de Sua vontade são a mesma coisa; a isto chamamos filosoficamente, a Idéia. Por isso temos de contemplar à Idéia em geral, em sua manifestação como espírito humano. Mais precisamente, a idéia de liberdade humana. A mais pura forma em que a Idéia se manifesta é o Pensamento em si.
Neste aspecto a Idéia é tratada na Lógica. Uma outra forma é a de Natureza física.1 Finalmente, a terceira forma é a de Espírito em geral. O Espírito apresenta-se em sua realidade mais concreta na fase em que o observamos, a de história do mundo. Entretanto — ou antes, para que se possa entender também a idéia geral desta existência concreta do Espírito —, devemos expor, em primeiro lugar, uma certa definição geral da natureza do Espírito. Mas isto só pode ser feito aqui como simples defesa; não é este o lugar para desenvolver-se a idéia de Espírito através da especulação filosófica. Como foi mencionado acima, o que pode ser dito em uma introdução* só pode ser tomado historicamente — como hipótese a ser explicada e comprovada em outro lugar ou a ser verificada pela própria ciência da história.

Portanto, temos a indicar aqui:
1. as características abstratas da natureza do Espírito,
2. os meios que o Espírito usa para compreender sua Idéia,
3. a forma que a plena compreensão do Espírito assume na existência: o Estado.




Pag. 63

1. A IDÉIA DE LIBERDADE
A natureza do Espírito poderá ser compreendida com uma espiada na direção oposta — a matéria. A essência da matéria é a gravidade e a essência do Espírito — sua matéria — é a Liberdade. Torna-se imediatamente plausível a todos o fato de que, entre outras propriedades, o Espírito também possui a Liberdade. Mas a filosofia nos ensina que todas as propriedades do Espírito só existem através da Liberdade. Todas são apenas meios para se atingir a Liberdade; todas buscam e apresentam isto e unicamente isto. A filosofia especulativa discerne o fato de ser a Liberdade a única verdade do Espírito.

Pag. 64

O Espírito, ao contrário, é aquilo que tem o seu centro em si mesmo. Ele não tem unidade fora de si, mas a encontrou: está em si e consigo. A matéria tem sua substância fora de si, o Espírito é o Ser-emsi-mesmo (a existência autocontida). Mas, a Liberdade é precisamente isto. Pois, quando eu sou dependente, refiro-me a algo que não sou, não posso existir independentemente de algo externo. Eu sou livre quando estou comigo. Essa existência autocontida do Espírito é a consciência própria, a consciência de si.


Pag. 65-66

A afirmação preliminar acima, a respeito dos diversos graus na consciência da liberdade — quando dissemos que os orientais sabiam que apenas um é livre, os gregos e romanos que alguns são livres, ao passo que nós sabemos que todos os homens, de maneira absoluta, ou seja, como homens, são livres —, é, ao mesmo tempo, a divisão natural da história do mundo e o modo como devemos tratá-la. Mas isto é mencionado apenas de passagem; devem os antes explicar alguns outros conceitos.
Estabelecemos a consciência da liberdade do Espírito e, com isso, a realização dessa Liberdade como objetivo final do mundo. O mundo espiritual é a substância da realidade e o mundo físico permanece a ele subordinado, ou, em termos de filosofia especulativa, não tem uma verdade se comparado ao primeiro. A palavra “liberdade”, sem maiores qualificações, é indefinida e infinitamente ambígua. Sendo o conceito mais elevado, está sujeito a uma infinidade de mal-entendidos, confusões e equívocos, podendo dar origem a todo gênero de possíveis exorbitâncias. Tudo isso jamais foi tão limpidamente sabido e sentido [pág. 65] como hoje. Mas, por enquanto, devemos nos contentar com esta palavra generalizante e um tanto indefinida.


Pag. 66
A Liberdade em si é o seu próprio objetivo e o propósito único do Espírito. Ela é a finalidade última para a qual toda a história do mundo sempre se voltou. Para este fim, todos os sacrifícios têm sido oferecidos no imenso altar da terra por toda a demorada passagem das eras. Só a Liberdade é a finalidade que se compreende claramente e se completa em si mesma, o único pólo duradouro estável na mudança de acontecimentos e condições, o único princípio verdadeiramente eficaz que interpenetra o todo. Este objetivo final é o propósito de Deus para com o mundo. Mas Deus é o Ser absolutamente perfeito e, portanto, pode resolver tudo por Si, por Sua própria vontade. A natureza de Sua própria vontade, Sua própria natureza, é aquilo que aqui chamamos de Idéia de liberdade. Assim, traduzimos a linguagem da religião para a da filosofia.


2. OS MEIOS PARA COMPREENSÃO
a. A idéia e o indivíduo
Pag. 69-70

E assim entram dois elementos em nossa investigação: o primeiro, a Idéia, e depois, o complexo das paixões humanas — um, a urdidura, o outro, a trama da imensa tapeçaria da história do mundo. Sua ligação e união concreta constituem a liberdade moral no Estado. Já falamos da Idéia de liberdade como sendo a essência do Espírito e o objetivo positivamente final da história. A paixão é encarada como algo de errado, algo mais ou menos mau; o homem não deve ter paixões. É verdade, “paixão” não é exatamente a palavra certa para o que quero expressar. Não pretendo mostrar aqui mais do que a atividade humana resultante do interesse privado, de planos especiais ou, se é melhor, planos pessoais — com essa qualificação: de que toda a energia da vontade e do caráter seja dedicada à consecução de um objetivo e que os outros interesses ou objetivos possíveis, tudo o mais, realmente, seja sacrificado a esse objetivo. Esse objetivo determinado está tão ligado à vontade da pessoa que sozinho ele determina inteiramente sua direção e sua forma inalienável. É isso que faz da pessoa o que ela é. Uma pessoa é uma existência específica. Não é um homem qualquer— isto não existe — mas um determinado ser humano. A palavra “caráter” também expressa esta singularidade de vontade e inteligência. Entretanto, o caráter abrange quaisquer aspectos individuais — a maneira como um indivíduo se conduz em suas relações pessoais e outras. Ele não conota essa individualidade em si na sua fase ativa e prática. Usarei, portanto, a palavra “paixão” para expressar a particularidade de um caráter até onde suas vontades individuais não tenham apenas um conteúdo especial, mas proporcionem também a força que age e dá impulso a feitos de alcance universal. Assim, a paixão é o aspecto subjetivo e formal da energia, da vontade e da atividade, cujo conteúdo e objetivo, a essa altura, ainda não estão determinados. Existe uma relação semelhante entre a convicção, a percepção e a consciência individuais, por um lado, e seu conteúdo, por outro. Se alguém desejar decidir se a minha convicção e a minha paixão são verdadeiras e firmes, deverá levar em consideração o conteúdo dá minha convicção e o objetivo da minha paixão. Ao contrário, sendo verdadeiras e firmes, inevitavelmente terão uma existência real.


Dois elementos:

·          A idéia;
·          Complexo das paixões humanas.

Paixão não como interesses pessoais, porém como particularidade de um caráter até onde suas vontades individuais não tenham apenas um conteúdo especial, mas que proporcione a força que age dando impulso a feitos de alcance universal.
Vemos aqui o foco no universal se contrapondo aos mesquinhos interesses pessoais.
Após estabelecer ou definir seu Estado ideal, trata da Razão e do encontro entre os interesses gerais e os particulares.


Pag. 70-72
A história do mundo dá início ao seu objetivo geral — compreender a idéia de Espírito — apenas em uma forma implícita (an sich), ou seja, como Natureza, como um instinto muito profundo e inconsciente. Todo o processo da história volta-se, então, para trazê-lo à consciência. Assim, aparecendo em forma de natureza, de vontade natural, aquilo que chamamos de lado subjetivo é existência real, imediata (für sich): necessidade, instinto, paixão, interesse privado e, mesmo, opinião e representação subjetiva. Estes imensos acúmulos de vontades, interesses e atividades constituem os instrumentos e meios para que o Espírito do Mundo atinja o seu objetivo, trazendo-o à consciência e percebendo o seu significado. Este objetivo não é outro senão a descoberta de si mesmo — a volta a si — e o contemplar-se na realidade concreta. Podemos nos perguntar se estas manifestações de vitalidade de parte dos indivíduos e dos povos, em que eles procuram e satisfazem seus objetivos, não serão, ao mesmo tempo, os meios e os instrumentos de um objetivo mais amplo e mais elevado sobre que nada sabem, mas percebem de maneira inconsciente. Este objetivo tem sido questionado e negado, desacreditado e denunciado de todas as maneiras possíveis, tachado de sonho e de “filosofia”. Quanto a isso, desde o início apresentei o meu ponto de vista, afirmando nossa hipótese — que mais tarde virá como resultado da nossa investigação: a Razão governa o mundo e, conseqüentemente, governou a sua história. Tudo o mais está subordinado, é subserviente a esta Razão universal e material e são os meios para a sua realização. Além disso, a Razão tem existência histórica imanente e atinge a sua perfeição nessa existência. A união do universal ideal (que existe em si e por si) com o particular ou subjetivo e o fato de que esta união apenas constitui a verdade são matéria da filosofia especulativa que, em sua forma geral, é tratada na lógica. Em seu desenvolvimento histórico [o lado subjetivo, a consciência, ainda incapaz de saber o que é], o objetivo final abstrato da história, a idéia de Espírito ainda está acontecendo e está incompleta. A idéia de Espírito ainda não se tornou seu objeto distinto de desejo e interesse. Assim, o desejo ainda não tem consciência de seu objetivo, mas já existe nos objetivos particulares e se compreende através deles. O problema relativo à união do geral com o subjetivo pode também ser levantado sob a forma da união da liberdade com a necessidade.
Consideramos uma necessidade o desenvolvimento imanente do Espírito, que existe
em si e para si, ao passo que atribuímos à liberdade os interesses contidos nas vontades conscientes dos homens. Já que, como foi dito, o aspecto especulativo, ou seja, conceitual desta ligação pertence à lógica, este não seria o lugar para analisá-lo. Entretanto, os principais pontos fundamentais podem ser apenas mencionados.




Pag. 72 e seguintes
A idéia tem dentro de si a determinação de sua auto-consciência de atividade.
A Idéia (espírito) sabe que não está parada, que é capaz de uma atividade interna.

Por conseguinte, ela é a vida eterna de Deus, como era, por assim dizer, antes da criação do mundo, a conexão lógica (de todas as coisas).
Independentemente do uso do termo Deus, Hegel estabelece aqui o primado da Idéia. Sendo, mesmo antes da criação do mundo a conexão lógica entre todas as coisas.
A Idéia como elemento vinculante de todas as coisas capazes de serem pensadas naquele momento. O momento antes da Criação do Mundo.

 Ela ainda carece, a esta altura, da forma de ser que é a realidade. Ainda é o universal, o imanente, o representado.
A Idéia está, aí, em seu ponto de representação apenas. Sem concretude material.


A segunda fase começa quando a Idéia satisfaz o contraste que originalmente só está nela de maneira ideal e postula a diferença entre si em seu modo universal livre, em que ela permanece dentro de si e em si como reflexão puramente abstrata de si.
Passando assim por cima para um lado (para tornar-se objeto de reflexão), a Idéia estabelece o outro lado como realidade formal (Fürsichsein = ser para si; ser para si mesmo), como liberdade formal, como unidade abstrata da consciência própria, como reflexão infinita em si e como negatividade infinita (antítese).

Quando a Idéia se projeta de seu modo universal livre para outra coisa, objeto de reflexão acaba criando essa outra coisa; um outro lado, este, como realidade formal.
Uma unidade abstrata da consciência própria, como reflexão infinita, e como negatividade infinita.
Antítese, como admite o próprio Hegel, e a antítese da Idéia nada mais é do que a matéria, também dita realidade formal.

Falando desse outro lado criado pela Idéia :
Assim ele se torna o Ego que, como um átomo (indivisível), opoe-se a todo o conteúdo e, dessa maneira, é a antitese mais completa – a antítese, nomeadamente, de toda a plenitude da Idéia.

O trecho a seguir corrobora com minha interpretação, creio eu:
A Idéia absoluta é assim, por um lado, a plenitude material do conteúdo e, por outro lado, a vontade livre abstrata. Deus e o universo apartaram-se e se colocaram como opostos entre si.

Vejamos ainda este outro trecho:
A consciência, o Ego, tem um ser tal, que o outro (tudo o mais) está para ela (é seu objeto). Ao desenvolver esta cadeia de pensamento, chega-se à criação do mundo, dos espíritos livres e assim por diante.

Como ele explica a finitude da matéria:
A antítese absoluta, o átomo (isto é o Ego) que ao mesmo tempo é uma diversidade (de conteúdos da consciência), é a própria finidade. Ela é em si (na realidade) apenas a exclusão de sua antítese (a Idéia absoluta). É seu limite e sua barreira. Assim, ela é o Absoluto em si tornado finito.

Depois segue se referindo aos seres da criação em sua reflexão:
A reflexão em si, a consciência própria individual, é a antítese da Idéia absoluta e, por isso, a Idéia em finidade absoluta. Esta finidade, o apogeu da liberdade, este conhecimento formal – quando relacionados com a glória de Deus ou com a Idéia absoluta que reconhece o que deve ser – é o solo em que o elemento espiritual do conhecimento como tal está caindo, ele assim constitui o aspecto absoluto de sua realidade, embora permaneça apenas formal.

A consciência própria individual (o espírito) que é a antítese da Idéia absoluta (Deus), e por isso sujeita à finidade/finitude. Embora seja essa finidade (a morte) o apogeu da liberdade, ao ser comparado à grandeza de Deus passan a ser o solo onde pode crescer o conhecimento, o que há demais absoluto em sua realidade. Apesar de tudo isso a consciência própria individual segue sendo apenas formal, material; portanto perecível.


Pag. 75

b. O indivíduo como sujeito da história


Pag. 77-78


A seguir um trecho em que Hegel trabalha a idéia de progresso do espírito/individuo e o vinculo desse desenvolvimento com os elementos mais gerais da sociedade, em última instância o Estado.
E o Espírito do Mundo, a História do Mundo seguem seu rumo progressivo.


[A essência de uma relação moral está na natureza substancial que o dever indica. Assim, a natureza da relação entre os filhos e os pais está apenas no dever de comportar-se de acordo ou, para mencionar-se um relacionamento legal — se devo dinheiro a alguém, tenho apenas de agir segundo a lei e a natureza desse relacionamento e devolver o dinheiro. Não há nada problemático nisso tudo. A base do dever é a vida civil: os indivíduos têm seus compromissos de negócios e, com isso, seu compromisso com o dever. A moral consiste em agir de acordo.
Cada indivíduo também é o filho de um povo em uma fase de seu desenvolvimento. A pessoa não pode passar por cima do espírito de seu povo, assim como não pode passar por cima da terra. A terra é o centro de gravidade, só se pode imaginar que um corpo que deixe este centro vá explodir no ar. Assim acontece com o indivíduo. Somente através de seu esforço ele poderá estar em harmonia com a sua substância, deve trazer a vontade exigida por seu povo para a sua própria consciência, para articulação. O indivíduo não cria o seu conteúdo, ele é o que é, expressando tanto o conteúdo universal quanto o seu próprio conteúdo.
Todos devem ativar esse conteúdo universal que há em si. Através dessa atividade se mantém o conjunto da vida ética. Há um outro elemento ativo na história que ocasiona exatamente essa dificuldade. Na discussão da dialética da Idéia já vimos onde se origina esse conteúdo universal. Ele não pode originar-se dentro da comunidade ética. Ali podem ocorrer eventos que violam sua universalidade resoluta como o vício, a fraude e similares, que são reprimidos. Um conjunto moral desse tipo é limitado. Acima dele deve haver uma universalidade mais elevada, que o torna desunido em si. A transição de um padrão espiritual para o próximo é exatamente isso, o fato de que o conjunto moral anterior, que em si é uma proposição universal sendo pensada (em termos de proposição universal mais elevada), é abolido como um particular.6 A proposição universal mais recente, por assim dizer, o gênero mais elevado que vem depois da espécie precedente existe em potencial, mas ainda não está realmente presente na anterior. Isso faz com que toda a realidade existente esteja instável e desunida.
Dois fatores são importantes no curso da história. Um é a preservação de um povo, um Estado, das esferas ordenadas da vida. Isso é atividade dos indivíduos que participam do esforço comum, ajudando em suas manifestações particulares. É a preservação da vida ética. Não obstante, o outro fator importante é a queda de um Estado. A existência de um espírito nacional é partida quando ela se esgotou e exauriu. A história do mundo, o Espírito do Mundo, continua em seu rumo. Não podemos tratar aqui da posição de indivíduos dentro do conjunto moral e seu dever e comportamento moral. Estamos preocupados com o desenvolvimento do Espírito, com o seu avanço e a sua ascensão a um conceito sempre mais elevado de si. Este desenvolvimento está ligado a degradação, destruição e aniquilação do modo precedente da realidade que o conceito de Espírito havia desenvolvido. Por um lado, isto é o resultado do desenvolvimento interior da Idéia e, por outro, da atividade dos indivíduos, que são os seus agentes e provocam a sua realização.]
É neste ponto que aparecem aquelas colisões graves entre os deveres, leis e direitos existentes e reconhecidos e as possibilidades adversas a esse sistema, que o violam e chegam a destruir as suas bases e a sua existência. Seu teor pode, entretanto, parecer bom, vantajoso no conjunto — sim e mesmo, indispensável e necessário. Estas contingências tornam-se agora fatos históricos, envolvem uma proposição universal de ordem diferente daquela de que depende a permanência de um povo ou um Estado. A proposição universal é uma fase essencial no desenvolvimento da Idéia criadora, da verdade que se empenha e corre em direção a si. Os homens históricos, indivíduos históricos do mundo, são aqueles [que apreendem uma proposição universal elevada como essa, fazem-na seu objetivo e realizam este objetivo em conformidade com a lei mais elevada do espírito.]

Pag. 79

O mesmo acontece com todos os grandes indivíduos históricos — seus objetivos pessoais contêm a vontade essencial do Espírito do Mundo. Eles devem ser chamados de “heróis”, na medida em que não tiraram seu objetivo e sua vocação do rumo calmo e regular das coisas, sancionado pela ordem existente, mas de uma fonte secreta cujo conteúdo ainda está oculto e ainda não veio à luz. A fonte de suas ações é o espírito interior, ainda oculto por baixo da superfície, mas já batendo contra o mundo exterior como em uma casca para, afinal, irromper, deixando-a em pedaços, pois é um núcleo diferente daquele que pertence à casca. Portanto, são homens que parecem tirar os impulsos de suas vidas de si mesmos. Seus feitos produziram uma condição de coisas e um complexo de relações históricas que parecem ser o seu interesse e a sua obra.
Esses indivíduos não têm consciência da Idéia como tal, são homens práticos e políticos. Ao mesmo tempo, são pensadores com a compreensão do que é necessário e em que momento. Enxergam a própria verdade de sua época e de seu mundo — eles vêem a próxima espécie que, por assim dizer, já está formada no ventre do tempo. Eles conhecem esta nova proposição universal, o próximo estágio necessário de seu mundo, para dela fazer seu objetivo, colocando nela toda a sua energia. As personalidades históricas do mundo, os heróis de seu tempo, devem portanto ser
reconhecidas como seus profetas — suas palavras e seus feitos são o melhor da época.


Pag. 82

c. O indivíduo como objeto da história


Pag. 83-84

Um ttrecho que lembra Kardfec quando este nos afirma que somos criados simples e ignorantes.

O homem é um fim em si, apenas por virtude do divino que há nele — aquilo que de início designamos como Razão ou, até onde vão sua atividade e poder de autodeterminação, como Liberdade. E dizemos — sem entrar agora em maiores discussões — que a religiosidade, a moral etc. têm nela sua base e sua origem e, assim, estão essencialmente isentas da necessidade e do acaso exteriores. [Não podemos esquecer que falamos aqui de moral, religiosidade etc. apenas até onde elas existem nos indivíduos, sujeitas por isso, à liberdade individual. Neste sentido, ou seja,] até onde vai sua liberdade, os indivíduos são responsáveis pela depravação e pelo enfraquecimento da moral e da religião. Esse é o selo do destino absoluto e sublime do homem: ele sabe o que é o bem e o que é o mal e sabe que seu destino é a sua própria capacidade de escolher o bem ou o mal. Resumindo, ele pode ser culpado — não apenas do mal, mas do bem, e não apenas a respeito desta ou daquela determinada questão, tudo que acontece nele e em torno dele (Sittlichkeit), mas também o bem e o mal ligados à sua liberdade individual (Moralität). Só o
animal é verdadeiramente inocente. Mas seria necessária uma vasta explicação — tão vasta quanto a própria liberdade — para evitar ou refutar todos os malentendidos que em geral surgem da afirmação de que a palavra “inocência” significa ignorância do mal.


Pag. 84-85

Ao contemplarmos o destino que na história têm a virtude, a moral ou mesmo a piedade, não devemos cair na litania de lamentações de que os bons e os piedosos em geral ou em sua maioria se dão mal nesse mundo, enquanto os maus e os perversos prosperam. Por prosperidade se pode entender muitas coisas — a riqueza, a honra aparente e afins, mas ao falar-se de objetivo em si ou por si, o que chamamos de prosperidade ou infelicidade deste ou daquele indivíduo isolado não
pode ser visto como elemento essencial na ordem racional do universo. Com  mais razão do que a simples felicidade ou as circunstâncias afortunadas dos indivíduos, requer-se do objetivo do mundo que os objetivos bons, morais e corretos encontrem aí sua satisfação e segurança. O que faz os homens insatisfeitos moralmente — uma insatisfação de que eles se orgulham — é que eles não acham o presente adequado à realização de objetivos que em sua opinião são corretos e bons, especialmente os ideais das instituições políticas de nosso tempo. Comparam as coisas como elas são, com seu ideal de como deveriam ser. Neste caso, não é o interesse privado ou a paixão que deseja a satisfação, mas a razão, a justiça, a liberdade. Em seu nome as pessoas pedem o que lhes é devido e geralmente não estão apenas insatisfeitas, mas abertamente revoltadas contra a condição do mundo. Para julgar esses pontos de vista e esses sentimentos, ter-se-ia de examinar as exigências persistentes e as  opiniões dogmáticas em questão. Em nenhuma época tanto como na nossa esse tipo de princípios e idéias gerais se apresentou com tamanha pretensão. Em outros momentos a história parece apresentar-se como luta de paixões. Neste nosso tempo, embora as paixões não faltem, a história mostra parcial e predominantemente uma luta de idéias justificáveis e, em parte, uma luta de paixões e interesses subjetivos sob a máscara de pretensões mais elevadas como essas. Tais pretensões, encaradas como legítimas em nome do suposto destino da Razão, têm assim validade como fins absolutos — da mesma maneira que a religião, a moral, a ética.


Pag. 86-87

A compreensão a que — em oposição a estes ideais — nos deveria levar a filosofia é a de que o mundo real não é como deveria ser, de que o verdadeiramente bom, a Razão divina universal é a força capaz de se realizar. Este bem, esta Razão, em sua apresentação mais concreta, é Deus. Deus governa o mundo. O trabalho real de Seu governo, a execução de Seu plano é a história do mundo. A filosofia se esforça por compreender este plano, pois só aquilo que foi executado em conformidade com ele tem realidade, o que não está em acordo, não passa de existência sem mérito. Diante da luz pura dessa Idéia divina, que não é um simples ideal, a ilusão desaparece como se o mundo fosse um processo louco e vazio. A filosofia deseja identificar o conteúdo, realidade da Idéia divina, e justificar a realidade menosprezada, pois a Razão é a compreensão do trabalho divino. O que dizer da perversão, da corrupção e da ruína dos objetivos religiosos, éticos e morais e das condições sociais em geral? Deve-se afirmar que, em sua essência, estes objetivos são infinitos e eternos. As formas que eles assumem podem ter um certo limite e conseqüentemente pertencem ao reino da simples natureza, estando sujeitas à influência do acaso. Elas são portanto transitórias e estão expostas à atrofia e à corrupção. A religião e a moral, como essências universais em si, têm a característica de estar presentes na alma individual em conformidade a seus conceitos e portanto verdadeiramente, embora possam não estar representadas ali elaboradas por inteiro e aplicadas a condições completamente desenvolvidas. A religiosidade, moral de uma vida limitada — de um pastor, de um camponês — tem infinito valor em sua concentrada limitação interior. Ela tem o mesmo valor que a religiosidade e moral de um intelecto instruído e de uma existência com um amplo círculo de relacionamentos e rica em atividades. Este enfoque interior, esta região simples das reivindicações da liberdade subjetiva — o lugar da vontade, da resolução e da ação, conteúdo abstrato da consciência, onde estão encerrados a responsabilidade e o merecimento do indivíduo — permanece intocada. Está bastante desligada do estrépito da história do mundo, não apenas de suas mudanças externas e temporais, mas também de todas as alterações legadas pela necessidade absoluta do próprio conceito de liberdade. Entretanto, deve-se notar em geral que, para qualquer coisa que no mundo se aclame como nobre e gloriosa, haverá algo ainda mais elevado. A reivindicação do Espírito do Mundo está acima de todas as reivindicações especiais.

Tudo isso, a respeito dos meios que o Espírito do Mundo usa para realizar o seu conceito. Dito de modo simples e abstrato, é a atividade dos sujeitos em quem a Razão está presente como essência substancial em si, mas ainda obscura e oculta para eles. A questão se torna mais complicada e difícil quando vemos os indivíduos não apenas como ativos mas, de maneira mais concreta, quando levamos em  consideração o conteúdo preciso de sua religião e moral — aspectos da existência
intimamente ligados à Razão, compartilhando suas reivindicações absolutas. Aqui desaparece a relação de simples meio para fim. Os pontos mais importantes desta aparente dificuldade com respeito ao objetivo absoluto do Espírito foram aqui rapidamente examinados.




 


1.     O ESTADO

a.     O Estado como realização da Idéia

Pag. 88-89

A vontade subjetiva, paixão, é a força que realiza, que torna real. A Idéia é a energia interior da ação, o Estado é a vida que existe externamente, autenticamente moral. Ela é a união da vontade universal e essencial com a vontade subjetiva e, como tal, ela é Moral. O indivíduo que vive nessa união tem uma vida moral, ele possui um valor que consiste apenas nesta existência real. A Antígona de Sófocles diz: “As ordens divinas não são de ontem, nem de hoje; não, elas têm uma existência infinita e ninguém poderia dizer de onde elas vieram.” As leis da ética não são acidentais, mas são a própria racionalidade. A finalidade do Estado é fazer prevalecer o material e se fazer reconhecer nos feitos reais dos homens e nas suas convicções. É de interesse absoluto da Razão que este todo moral exista; é nisto que está a justificação e o mérito de heróis que fundaram Estados — não importa quão primitivos fossem.

[O que conta em um Estado é a ação realizada de acordo com uma vontade comum e adotando os objetivos universais. Mesmo em um Estado primitivo existe a sujeição de uma vontade sob a outra, mas isto não significa que o indivíduo não tenha uma vontade própria, e sim, que a sua vontade particular não vale. Caprichos e ânsias não têm valor. A particularidade da vontade é já haver sido repudiada em formações políticas primitivas como essas. O que conta é a vontade coletiva. Sendo suprimido dessa maneira, o indivíduo irá se afastar, voltando-se para dentro de si mesmo. Esta é a condição necessária para a existência do universo, a condição do conhecimento e do pensamento — pois é o pensamento que o homem tem em comum com o divino.



Pag. 89

A Idéia universal se manifesta no Estado. A palavra “manifestação” tem aqui um significado diferente do habitual. Em geral fazemos a distinção entre poder (potencialidade) e manifestação, como se a primeira fosse a essência e a última, não essencial, ou exterior. Até agora não há nenhuma determinação real na própria categoria de poder, ao passo que onde está o Espírito ou o conceito real a própria manifestação é o elemento essencial. O critério do Espírito é sua ação, a sua essência ativa. O homem é sua própria ação, a seqüência de suas ações, aquilo em que ele mesmo está se fazendo. Assim, o Espírito é essencialmente Energia e, em relação ao Espírito, não se pode deixar de parte sua manifestação. A manifestação
do Espírito é sua autodeterminação real, este é o elemento de sua natureza concreta. O Espírito que não se determina é uma abstração da inteligência. A manifestação do Espírito é sua autodeterminação e é esta manifestação que temos de investigar na forma de Estados e indivíduos.

b.    A lei como realização da Liberdade

No trecho a seguir combate sutilmente as idéias de Rousseau: o homem é naturalmente bom e a sociedade é que corrompe o homem.
Já Hegel define o Estado como o espaço da verdadeira liberdade do homem.
Nesse Estado idealizado por Hegel os homens estariam de forma natural concordes com a Lei, estariam de acordo com ela.
Me lembrou a fala de Paulo de Tarso quando este afirma que “o cristão está acima das Leis”.
Não porque este não as cumprisse, mas bem ao contrário, pelo fato das Leis não o constrangerem, seus atos seriam sempre de acordo com elas.


O desenvolvimento minucioso do Estado é o objeto da filosofia jurídica. Deve se observar, no entanto, que nas teorias atuais são comuns diversos erros sobre o Estado, aceitos como verdades estabelecidas e que se tornaram preconceitos.
Mencionarei apenas alguns desses equívocos, especialmente os que dizem respeito ao tema da história.

O primeiro erro que encontramos é a contradição direta de nosso princípio de que o Estado seja a realização da liberdade: ou seja, a idéia de que o homem é livre por natureza, mas que, na sociedade ou no Estado, a que ele necessariamente pertence, deve limitar esta liberdade natural. O fato de ser o homem livre “por natureza” está bastante [pág. 91] correto, no sentido em que ele é livre em conformidade com o próprio conceito de homem, ou seja, apenas em seu destino, como ele é, em si mesmo — a “natureza” de uma coisa é realmente o equivalente ao seu conceito de existência. Neste sentido pressupõe-se um estado de natureza onde se acredita que o homem esteja na posse de seus direitos naturais e no exercício sem limites, em pleno gozo, de sua liberdade. Essa hipótese não é apresentada como um fato histórico; seria na verdade difícil detectar qualquer condição desse tipo em qualquer lugar, no presente ou no passado, caso se fizesse a sério uma tentativa.

Podemos encontrar exemplos de condições primitivas, mas elas estão marcadas por paixões irracionais e atos de violência. Rudimentares como são, elas ao mesmo tempo estão ligadas com as instituições sociais que, para usar-se a expressão com um, restringem a liberdade. A hipótese do nobre selvagem é uma daquelas imagens nebulosas que a teoria produz, uma idéia que necessariamente deriva desta teoria, à qual ela atribui uma existência real, sem uma justificação histórica suficiente.
Esse estado da Natureza na teoria é exatamente o que encontramos na prática.

                 Crítica a Rousseau

A liberdade como ideal de natureza original não existe como original e natural. Ela deve ser adquirida e conquistada e isso apenas é possível através de um processo infinito da disciplina do conhecimento e da força de vontade. Portanto, o estado natural é antes um estado de injustiça, violência, de impulsos naturais bravios, de feitos emoções bárbaros. É verdade que há um limite imposto pela sociedade e o Estado, mas é o limite das emoções irracionais e dos instintos naturais e também, em um estágio mais adiantado de cultura, do capricho e da paixão conscientes. Esta restrição é parte do processo através do qual se obtêm a consciência e o desejo de liberdade em sua forma verdadeira, ou seja, racional e ideal. A idéia de liberdade necessariamente implica lei e moral. Estas são em si e por si as essências, os objetos e os objetivos a descobrir apenas através da atividade do pensamento, distinguindo-se  do que é simplesmente relativo aos sentidos e desenvolvendo-se em oposição a isso — deve ser assimilado e incorporado com a vontade original dos sentidos contra a sua tendência natural. O eterno equívoco do que seja a liberdade é que ela só é conhecida em seu sentido subjetivo formal, subtraído dos objetivos essenciais.

Assim, a limitação de impulso, desejo, paixão — que pertence apenas ao indivíduo particular como tal — de capricho e deliberação, é considerada uma limitação da liberdade. Ao contrário, esta limitação é a própria condição que leva à emancipação; a sociedade e o Estado são exatamente as condições em que a liberdade se realiza.


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Algo sobre a família.

Em segundo lugar, há uma outra teoria que faz objeção ao desenvolvimento da moral em forma jurídica. O Estado patriarcal é visto, seja em relação a toda a sociedade ou a alguns de seus ramos (a família do ser humano), como a condição em que, junto com o elemento jurídico, o moral e o emocional se realizam. Por isso se acredita que a justiça pode ser realmente levada adiante apenas com a união de seu conteúdo com os elementos morais e emocionais.

A base da condição patriarcal é a relação de família. Esta se desenvolve como primeira etapa da moral consciente, acompanhada pela do Estado, que é a segunda etapa. A condição patriarcal é de transição, em que a família já chegou a ser uma raça ou um povo. Portanto, a união já deixou de ser apenas um  laço de amor e confiança, tornando-se um laço de serviço. Para compreender essa transição devemos examinar primeiro o princípio ético da família. A família é uma única pessoa; seus membros, como parentes, renunciaram em comum à sua individualidade — e, conseqüentemente, a suas relações legais uns para com os outros, bem como a seus interesses e desejos particulares — ou ainda não chegaram à individualidade, como as crianças, que inicialmente estão na simples condição natural já mencionada. Eles vivem, portanto, em uma unidade de sentimento, amor, confiança e fé uns para com os outros. No amor, um indivíduo tem a consciência de si na consciência do outro, ele vive de maneira altruísta. Nesta renúncia cada um ganha a vida do outro e também a sua, que é uma só, com o outro. Todos os outros interesses da vida, suas necessidades e preocupações exteriores como a educação das crianças, por exemplo, constituem um objetivo comum pata os membros da família.

Pag. 94

c. O fundamento jurídico do Estado (A Constituição)

Alguma coisa me causou estranheza no trecho a seguir. O que revela a todos nós que a admiração que tenhamos por uma pessoa não nos leva a aceitar todas as suas idéias cegamente. Sem racionalidade.

Pag. 94-96

Se o princípio da vontade e do consentimento individual de todos é reconhecido como a base única da liberdade constitucional, é que na verdade não existe Constituição. A única instituição necessária seria a de um observador neutro localizado no centro que anunciaria o que em sua opinião seriam as necessidades do Estado, um mecanismo para reunião dos indivíduos que lançariam seus votos aritmeticamente contados e comparados em suas diversas propostas — e seria isto a decisão. O Estado é uma entidade abstrata que tem sua realidade — simplesmente generalizada — nos cidadãos. Mas ele é real e a simples existência geral deve ser traduzida em vontade e em atividade individual. Surge assim a necessidade de governo e de administração, a seleção de indivíduos que assumam a direção da administração política, decidam a sua execução e comandem os cidadãos a quem foi confiado este encargo. Desta maneira, mesmo na democracia, a decisão do povo em guerra exige que um general tenha a chefia do exército. Só na constituição a entidade abstrata do Estado tem vida e realidade — mas isto envolve uma distinção entre os que dão ordens e os que obedecem. Mas obedecer não parece estar em conformidade com a liberdade e aqueles que dão ordens parecem agir em oposição ao conceito de liberdade, que é o próprio fundamento do Estado.

Parece necessária a distinção entre dar ordens e obedecer para a própria função do Estado. Por isso recomenda-se — sendo uma questão de necessidade unicamente exterior, em oposição à natureza da liberdade em seu aspecto abstrato — que a constituição seja elaborada de tal maneira que os cidadãos tenham de obedecer o mínimo e as autoridades tenham que dar o mínimo possível de ordens. A natureza e o grau de qualquer autoridade necessária deveriam ser determinados e decididos em grande medida pelo povo, ou seja, pela vontade da maioria; mas, ao mesmo tempo, o
Estado, como realidade e como unidade individual, deveria ter força e poder.

A principal distinção a fazer, portanto, é entre o que governa e o governado. As constituições foram classificadas corretamente como aristocráticas, monárquicas e democráticas; entretanto, deve-se fazer mais uma vez a distinção entre monarquia e despotismo. Também se deve entender que tais classificações são tiradas de conceitos abstratos, de maneira a enfatizar apenas as diferenças fundamentais. São tipos, gêneros ou espécies que não podem explicar até à exaustão as realidades
concretas. Em especial, elas admitem um grande número de modificações especiais, não apenas dentro dos tipos mas também entre os tipos — e isto, mesmo quando essas fusões ou misturas de tipos levam a formas acidentais, instáveis ou incoerentes. Nestes conflitos o problema é o de determinar a melhor constituição — ou seja, aquela instituição, organização ou mecanismo de governo que proporcione com maior segurança a garantia da realização do objetivo do Estado. Naturalmente este pode ser compreendido de maneiras diversas como, por exemplo, o gozo
tranqüilo da vida ou como a felicidade universal. Tais objetivos produziram os chamados ideais de governo e especialmente os ideais da [pág. 95] educação dos príncipes, como está em Fenelon,16 ou a dos governantes ou da aristocracia em geral, como está em Platão. Neles a ênfase é colocada na natureza dos indivíduos governantes, o conteúdo das instituições orgânicas do Estado não é absolutamente levado em consideração. Em geral se acha que a questão da melhor constituição ou
da constituição superior as outras não é apenas em teoria uma questão de convicção individual independente, mas que a sua introdução real poderia ser também apenas uma questão de decisões unicamente teóricas e, assim, a constituição seria uma questão de escolha livre determinada por nada mais que a reflexão.


Já não me bastava a firme crença de Hegel no Estado, o danado ainda vem defender uma Constituição Monárquica.
Sua defesa do Estado forte tem a ver com sua admiração por Napoleão Bonaparte.
Sua defesa da Constituição Monárquica tem relação com sua situação na Prússia, onde vivia, sob  o governo de Frederico II um imperador que tinha sempre ao redor de si nomes como Diderot, Voltaire e quantos enciclopedistas pudesse arrebanhar.
Frederico II também se notabilizou por ter abrigado em seu reino algumas correntes religiosas que vinham sendo perseguidas na França (Huguenotes).
Huguenote é a denominação dada aos protestantes franceses (quase sempre calvinistas) pelos seus inimigos nos séculos XVI e XVII. O antagonismo entre católicos e protestantes resultou nas guerras religiosas, que dilaceraram a França do século XVI.


Pag. 97-98

A constituição não apenas está intimamente ligada e depende das outras forças espirituais, mas a determinação de toda a individualidade espiritual, incluindo todas as suas forças, é apenas um momento na história do conjunto, com o seu rumo predeterminado. É isso que proporciona a mais elevada aprovação à constituição e o que estabelece a sua necessidade. A origem do Estado é por um lado a dominação e, pelo outro, a obediência instintiva. A obediência e a força, o temor de um governante, já são uma ligação de vontades. Descobrimos que já nos Estados primitivos a vontade do indivíduo não conta, que há a renúncia da particularidade e que a vontade universal é o essencial. Esta união do universal e o particular é a própria Idéia, presente como Estado e assim desenvolvendo-se ainda mais. O rumo abstrato mas necessário do desenvolvimento de Estados verdadeiramente independentes começa portanto como o poder da realeza, patriarcal ou militar.
Depois disso, a individualidade e a particularidade devem afirmar-se na aristocracia e na democracia. O fim é a sujeição desta particularidade sob um poder que deve ser absolutamente de tal natureza que as duas esferas tenham sua independência fora dele — ela deve ser monárquica. Devemos assim fazer a distinção entre uma primeira (ou original) e uma segunda fase da realeza. Este é um processo necessário, toda constituição deve passar por ele. Portanto, uma constituição não é uma questão de escolha, mas depende da fase de desenvolvimento espiritual do povo.

O importante em uma constituição é o desenvolvimento interno do racional, ou seja, da condição política, a libertação dos sucessivos momentos do conceito. As forças particulares devem tornar-se distintas, cada uma completando a si mesma, mas ao mesmo tempo elas devem cooperar livremente para um objetivo, mantendo se unidas por ele, formando assim um conjunto orgânico. Desta maneira o Estado é liberdade racional e consciente, conhecendo-se objetivamente. Sua objetividade está precisamente no fato de que seus momentos não estão presentes apenas de modo ideal, mas realizados em sua particularidade e no fato de que eles passam por cima de sua atividade própria para a atividade de que resulta a totalidade, a alma, a unidade individual.


d. O fundamento religioso do Estado

Pag. 99-101

Já estabelecemos como sendo os dois pontos de nossa discussão, em primeiro lugar a idéia de Liberdade como objetivo final absoluto e, em segundo, os meios para sua realização, o lado subjetivo do conhecimento e da vontade, com sua vitalidade, mobilidade e atividade. Depois discutimos o Estado como conjunto moral e a realidade da liberdade e, assim, como unidade objetiva dos dois fatores precedentes. Embora tenhamos separado os dois elementos para análise, deve-se lembrar muito bem que eles estão intimamente ligados e que esta ligação está em cada um deles, quando os examinamos em separado. Por um lado, reconhecemos a Idéia em sua determinação, como liberdade conhecedora de si e obstinada, que tem apenas a si como objetivo. Assim, ela é ao mesmo tempo a simples idéia de razão e, da mesma forma, o que chamamos de sujeito, a consciência de si, o Espírito que existe no mundo. Por outro lado, examinando esta subjetividade, descobrimos que a vontade e o conhecimento subjetivos são o Pensamento. Mas no conhecimento e na vontade refletidos, eu desejo o objetivo universal, a matéria da racionalidade realizada (do que é racional em si e por si). Observamos assim uma união essencial entre o elemento objetivo, que é o conceito (a Idéia) e o elemento subjetivo (a personalidade que a concebe e a deseja). A existência objetiva dessa unidade é o Estado que é, portanto, a base e o centro dos outros aspectos concretos da vida de um povo — a arte, as leis, a moral, a religião e a ciência. Toda a atividade espiritual tem apenas o objetivo de tornar-se consciente desta união, ou seja, de sua liberdade.

Entre as formas dessa união consciente, a religião [pág. 99] é a mais elevada. Nela o espírito que existe no mundo se torna consciente do Espírito absoluto e, nessa consciência de essência realizada (“ser em si e por si”), a vontade do homem renuncia a seu interesse individual, colocando-a de parte em uma dedicação onde ele já não está mais preocupado com os detalhes. Através do sacrifício o homem expressa a sua renúncia da propriedade, de sua vontade, de seus sentimentos pessoais. A concentração religiosa da mente aparece como emoção, mas ela também passa à contemplação — o ritual é uma expressão da contemplação. Uma segunda forma da união espiritual entre o objetivo e o subjetivo é a Arte: ela aparece mais na realidade sensível do que a religião; na sua mais nobre atitude ela deve representar não, na verdade, o espírito de Deus, mas a forma do deus — e depois, o divino, o espiritual, em geral. Ela torna o divino visível para a imaginação e os sentidos. Mas
a Verdade não apenas alcança a representação e o sentimento, como acontece na religião, e a intuição, como ocorre na arte, mas ela também atinge o espírito que pensa — leva à terceira forma dessa união: a Filosofia. Este é seu resultado mais elevado, mas livre e mais sábio. Não podemos examinar aqui estas três formas, elas foram apenas mencionadas porque ocupam o mesmo terreno que o objeto de nosso estudo, que é o Estado.

A proposição universal que aparece e se torna consciente no Estado, a forma em que toda a realidade é moldada, é o que em geral é chamado de cultura de uma nação.17 Entretanto, o conteúdo definido que recebe a forma de universalidade e é contido na realidade concreta do Estado é o espírito do povo. O Estado verdadeiro é animado por este espírito em todos os seus negócios, guerras, instituições etc. Mas o homem deve conhecer esse espírito e essa natureza essencial— que são seus — e chegar à consciência de sua união com eles. Pois já dissemos que toda a moral é a unidade da vontade subjetiva (ou pessoal) com a vontade geral (ou universal). O espírito deve dar-se uma consciência expressa desta unidade — o centro deste conhecimento é a religião. A arte e a ciência são apenas diferentes aspectos desse mesmo conteúdo.

Ao discutir a religião é importante perguntar se ela reconhece a verdade, ou Idéia, apenas em sua forma isolada ou em sua verdadeira unidade. Em sua forma isolada: quando Deus é concebido como o Ser abstrato mais elevado, Senhor dos Céus e da Terra, transcendendo o mundo, além e distante da realidade humana — ou em sua unidade: Deus como a união do universal com o individual, em Quem mesmo o individual é visto de maneira positiva, na Idéia da encarnação. A religião é a esfera onde um povo se dá a definição daquilo que encara como sendo o Verdadeiro. Uma definição contém tudo o que pertence à essência de um objeto, reduzindo sua natureza a uma característica fundamental simples como foco para todas as outras características — a alma universal de todos os particulares. Assim, a concepção de Deus é a fundamentação geral de um povo.


Depois de criticar algumas constituições e seus vínculos com a religfião, fazendo ressalva à religião protestante prossegue.


Pag. 102-104

Em suma, a vitalidade do Estado nos indivíduos é o que chamamos de Moral. O Estado, suas leis e suas instituições são os direitos dos cidadãos; sua natureza, seu solo, suas montanhas, ar e águas são a sua terra, o seu país, a sua propriedade exterior. A história do Estado são os seus feitos e o que seus ancestrais realizaram pertence aos cidadãos e vive em sua memória. Tudo é possessão deles, da mesma forma como por tudo isso eles são possuídos, pois constitui sua substância e o seu
ser.

As mentes dos cidadãos estão cheias disso e as suas vontades são o querer estas leis e o seu país. É esta totalidade amadurecida que faz Um Ser, o espírito de Um Povo. A ela pertencem os indivíduos; cada indivíduo é o filho de seu povo e, ao mesmo tempo, enquanto o seu Estado está em desenvolvimento, é o filho de sua época. Ninguém fica atrás, ninguém pode passar à frente dela. Este ser espiritual (o espírito de seu tempo) é dela — ele é um de seus representantes — e é de onde ele vem e onde ele permanece. Para os ateninenses, Atenas tinha um duplo significado, o da totalidade de suas instituições e o nome da deusa que representava o espírito e a unidade do povo.

O espírito de um povo é um espírito definido e, como se acabou de dizer, é também determinado em conformidade com a situação histórica de seu desenvolvimento. Assim, esse espírito é a base e o conteúdo das outras formas de consciência que já foram mencionadas. O espírito na consciência de si mesmo deve tornar-se um objeto de contemplação para si. A sua objetividade envolve, em primeiro lugar, o início das diferenças que em sua totalidade são as diversas esferas do próprio espírito objetivo — da mesma forma como a alma existe apenas como organização de seus membros, que a constituem juntando-se em uma unidade simples. Dessa maneira o espírito é uma individualidade. Sua essência é representada, reverenciada e gozada como Deus, na religião; é apresentada como imagem e intuição, na arte, e é apreendida cognitivamente e concebida como pensamento, na filosofia. Como a identidade original de sua matéria, seu conteúdo e seu tema têm importância em relação aos do Estado, essas formas diversas estão unidas de maneira inseparável ao espírito do Estado. Apenas com uma religião assim pode haver esta forma de Estado e somente com essa forma de Estado, esta arte e esta filosofia.

Além do mais, o próprio espírito nacional definido é apenas um indivíduo no curso da história do mundo. A história do mundo é a manifestação do Divino, o absoluto desenvolvimento do Espírito em suas formas mais elevadas. É este desenvolvimento que faz com que ela atinja a sua verdade e a consciência de si. Os resultados das fases desse processo são os espíritos nacionais da história do mundo, a definição de sua vida moral, de sua constituição, arte, religião e ciência. Compreender tais fases é o impulso infinito do Espírito do Mundo, seu ímpeto irresistível, pois esta diferenciação e sua compreensão constituem o seu conceito. A história do mundo apenas mostra como o Espírito do Mundo aos poucos chega à consciência e ao desejo da verdade. Surge no Espírito o alvorecer do conhecimento, ele descobre pontos de enfoque19 e, finalmente, atinge a consciência plena.


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