quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Razão na História - II. A Razão como base da História

A Razão na História:
Uma Introdução Geral à Filosofia da História


II. A RAZÃO COMO BASE DA HISTÓRIA

O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o conceito simples de Razão, que é a lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas aconteceram racionalmente. Essa convicção e percepção é uma pressuposição da história como tal; na própria filosofia a pressuposição não existe. A filosofia demonstrou através de sua reflexão especulativa que a Razão — esta palavra poderá ser aceita aqui sem maior exame da sua relação com Deus — é ao mesmo tempo substância e poder infinito, que ela é em si o material infinito de toda vida natural e espiritual e também é a forma infinita, a realização de si como conteúdo. Ela é substância, ou seja, é através dela e nela que toda a realidade tem o seu ser e a sua subsistência. Ela é poder infinito, pois a Razão não é tão impotente para produzir apenas o ideal, a intenção, permanecendo em uma existência fora da realidade — sabe-se lá onde — como algo característico nas cabeças de umas poucas pessoas. Ela é o conteúdo infinito de toda a essência e verdade, pois não exige, como o faz a atividade finita, a condição de materiais externos, de meios fornecidos de onde extrair-se o alimento e os objetos de sua atividade; ela supre seu próprio alimento e sua própria referência. E ela é forma infinita, pois apenas em sua imagem e por ordem sua os fenômenos surgem e começam a viver.
A observação a seguir deixa claro o pensamento de Hegel sobre Deus, que para ele é a Razão Absoluta ou a Idéia Absoluta. Quando se refere à Razão neste trecho de texto é a razão pura e simplesmente. Desvinculada com qualquer relação com a divindade.

“A filosofia demonstrou através de sua reflexão especulativa que a Razão — esta palavra poderá ser aceita aqui sem maior exame da sua relação com Deus —“

Logo em seguida Hegel faz toda uma apologia a esta mesma razão que, mesmo desvinculada de Deus é detentora de uma série de atributos.


Pag. 55

Em tudo o que se supõe ser científico, a Razão deve ser alerta e a reflexão
deve ser aplicada. Para quem olha racionalmente para o mundo, o mundo olha de
volta racionalmente. A relação é mútua.
Hegel  afirma que a Razão já dominou no mundo em dois aspectos:

1. O primeiro aspecto é o fato histórico do grego Anaxágoras, o primeiro a
mostrar que a mente , a compreensão em geral ou a Razão, domina o mundo — mas não uma inteligência no sentido de uma consciência individual, não um espírito como tal. Os dois devem ser cuidadosamente distinguidos. O movimento do sistema solar continua segundo leis imutáveis e estas leis são a sua razão. Mas, nem o sol nem os planetas, que, segundo tais leis, giram em torno dele, têm qualquer consciência disso. Assim, não nos surpreende a idéia de que há Razão na natureza, de que a natureza é governada por leis universais e imutáveis — estamos habituados
a isso e não lhe damos muita importância. Esta circunstância histórica também nos ensina uma lição de história: as coisas que parecem comuns para nós nem sempre estiveram no mundo; um pensamento novo como esse marca uma época no desenvolvimento do espírito humano. Aristóteles diz que Anaxágoras, como  originador deste pensamento, parecia um homem sóbrio entre os bêbados.


Pag. 56

É evidente que a insuficiência que Sócrates descobriu em Anaxágoras nada tem a ver com o princípio em si, mas com a falha de Anaxágoras em aplicá-lo à natureza concreta. A natureza não foi entendida ou compreendida através deste princípio; o princípio continuou abstrato — a natureza não foi compreendida como um desenvolvimento da Razão, como uma organização produzida por ela.

Num primeiro momento Hegel nega a natureza como produto da razão, aquela razão desvinculada da divindade. Para logo em seguida estabelecer uma nova perspectiva. Perspectiva na qual a Razão/Pensamento possa produzir a concretude. Ou não seria isto?

2. O segundo ponto é a ligação histórica do pensamento de que a Razão governa o mundo com uma outra forma, bem conhecida para nós — a forma da verdade religiosa: o mundo não está abandonado ao acaso e a acidentes externos, mas é controlado pela Providência. Eu já disse antes que não exijo a crença no princípio anunciado, mas penso que poderia apelar a esta crença em sua forma religiosa, a menos que a natureza da filosofia científica impeça, como regra geral, a aceitação de quaisquer pressuposições; ou, visto por outro ângulo, a menos que a própria ciência que desejamos desenvolver dê provas, senão da verdade, pelo menos da exatidão de nosso princípio. A verdade de que uma Providência, ou seja, uma Providência divina, preside aos acontecimentos do mundo corresponde ao nosso princípio, pois a Providência divina é a sabedoria dotada de infinito poder que realiza o seu objetivo, ou seja, o objetivo final, racional e absoluto do mundo. A Razão é o Pensamento determinando-se em absoluta liberdade.

Falando de Religião e Previdência Divina.
Hegel desmente a Providência e Deus tal qual definido pelas religiões e estabelece o primado da Razão.
Mas para isso é necessário defini-la.


Pag. 57-60

Ela se opõe no mínimo à aplicação generalizada de nosso princípio, ao conhecimento do plano da Providência. É verdade que em casos especiais se permite isso aqui e ali, quando as mentes piedosas enxergam em certos acontecimentos não apenas o acaso, mas a vontade de Deus — quando, por exemplo, um indivíduo em grande perplexidade e necessidade obtém uma ajuda inesperada. Mas esses exemplos estão limitados aos propósitos particulares deste indivíduo. Na história do mundo, os “indivíduos” de quem devemos tratar são os povos, eles são totalidades que são Estados. Não podemos, portanto, estar satisfeitos com o que chamamos de visão “pormenorizada” da fé na Providência, nem com a fé indeterminada, simplesmente abstrata, na afirmação universal de que existe uma Providência, sem a determinação de seus atos definidos.
Ao contrário, devemos tentar seriamente reconhecer os caminhos da Providência, os
seus significados e as suas manifestações na história, e seu relacionamento com o
nosso princípio universal.
Mas, ao mencionar qualquer reconhecimento do plano da Providência divina, toquei em uma questão proeminente em nossos dias, a questão de saber-se se é possível reconhecer a Deus — ou, a partir do momento em que isso deixa de ser uma discussão, a doutrina, que agora se tornou um preconceito, de que é impossível
conhecer a Deus. Seguindo esta doutrina, agora contradizemos aquilo que ordena a
Sagrada Escritura como nosso mais elevado dever, ou seja, não apenas amar, mas também conhecer a Deus. Categoricamente agora negamos o que está escrito, ou seja, que é o espírito que leva à verdade, que conhece todas as coisas e que penetra até mesmo as profundezas da divindade. Assim, ao colocar o Ser Divino além de nosso conhecimento e do âmbito de todas as coisas humanas, obtemos a permissão muito conveniente de satisfazer às nossas fantasias. Estamos liberados da necessidade de atribuir o nosso conhecimento ao Verdadeiro e Divino. Ao contrário,
a vaidade do conhecimento e a subjetividade do sentimento têm agora ampla
justificação. A humildade piedosa, ao manter o verdadeiro reconhecimento de Deus
ao alcance da mão, sabe muito bem o que obtém por seu esforço arbitrário e vão.
Eu gostaria de discutir a ligação da nossa tese — de que a Razão governa e governou o mundo — com a questão do possível conhecimento de Deus, principalmente para que se possa mencionar a acusação que a filosofia evita ou deve evitar, a discussão de verdades religiosas, porque ela tem, por assim dizer, uma consciência má a respeito destas verdades. Ao contrário, o fato é que nesses últimos tempos a filosofia teve de assumir a defesa de verdades religiosas contra muitos sistemas teológicos. Na religião cristã Deus Se revelou, o que significa que Ele deu ao homem a capacidade de compreender o que Ele é, não sendo mais oculto e secreto. Com esta possibilidade de conhecer a Deus, a obrigação de conhecê-lo nos é imposta. Deus deseja estreitar as almas e esvaziar a mente de seus filhos; Ele quer o nosso espírito, em si realmente pobre, rico no conhecimento Dele, sustentando que este conhecimento seja de supremo valor. O desenvolvimento do espírito pensante
começou com esta revelação da essência divina. Ele agora deve progredir em  direção à compreensão intelectual do que originalmente estava presente apenas para o espírito que sentia e imaginava.

[O sentimento é a forma inferior em que pode existir qualquer conteúdo mental. Deus é o Ser Eterno em e para si mesmo; aquilo que é original em e para si mesmo é sujeito do pensamento, e não do sentimento. É verdade que tudo que é espiritual, todo o conteúdo da consciência, qualquer coisa que é produto e sujeito do pensamento — em especial a religião e a moralidade — também deve, e originalmente o faz, existir no modo do sentimento. Mas o sentimento não é a fonte de onde este conteúdo flui para o homem, mas apenas um modo primitivo em que ele existe no homem. É realmente o pior modo, um modo que o homem tem em comum com o animal. O que é substancial também deve existir no sentimento,
mas existe principalmente em uma forma superior, mais dignificada. Se se deseja relegar conteúdo moral, mais verdadeiro, o mais espiritual, ao sentimento e à emoção, mantendo-o ali em cima do princípio geral, deve-se atribuir a este conteúdo essencialmente a forma animal — mas esta não é de maneira alguma capaz de conter o espírito. No sentimento, o conteúdo mental é o menor possível, está presente em sua forma mais baixa possível. Até onde ele ainda estiver no
sentimento, está velado e totalmente indefinido. Ainda é inteiramente subjetivo, presente exclusivamente na forma subjetiva. Se alguém diz: “Sinto isso e isso assim e assim”, essa pessoa isolou-se em si mesmo. Todo o resto das pessoas tem o mesmo direito de dizer: “Não sinto nada disso”. E assim o indivíduo saiu do terreno comum de entendimento. Em assuntos totalmente pessoais, o sentimento está em todo o seu. direito. Sustentar que todos os homens tenham isso ou aquilo em seu sentimento é uma contradição em termos; contradiz o conceito de sentimento, o
ponto de vista da subjetividade individual de cada um que assumiu esta afirmação.
Enquanto o conteúdo mental é colocado no sentimento, todos estão reduzidos a seu ponto de vista subjetivo. Se alguém chama a outro desse ou daquele epíteto, o outro estaria autorizado a devolver-lhe, e ambos, a partir de seus respectivos pontos de vista, estariam autorizados a ofender-se mutuamente. Se alguém diz que tem a religião em seu sentimento e o outro, que não vê nenhum Deus em seu sentimento, ambos estão certos. Se nesta maneira o conteúdo divino — a revelação de Deus, o relacionamento de Deus ao homem, o ser de Deus para o homem — está reduzido ao sentimento puro, ele está reduzido à subjetividade pura, ao arbitrário, ao
capricho. Dessa maneira, o indivíduo realmente se livra da verdade como ela é em e para si mesma. A verdade é universal em e para si mesma, essencial, substancial; como tal ela só pode estar no e ser para o pensamento.. ]

Finalmente chegou o momento para compreender também o rico produto da Razão criativa que é a história do mundo.
Por algum tempo foi moda admirar-se a sabedoria de Deus nas vidas dos animais, das plantas e dos seres humanos. Se admitimos que a Providência se manifesta nesses objetos e nesses materiais, por que não também na história do mundo? Porque seu alcance parece ser grande demais; no entanto, a sabedoria divina, ou Razão, é a mesma tanto no grande quanto no pequeno. Não devemos imaginar que Deus seja fraco demais para exercer a sua sabedoria em uma grande escala. Nossa luta intelectual visa reconhecer que aquilo que a sabedoria eterna tencionava ela na verdade realizou, dinamicamente ativa no mundo, ao mesmo tempo no reino da natureza e no reino do espírito. Neste aspecto o nosso método é uma teodicéia, uma justificação de Deus, algo que Leibniz tentou metafisicamente, à sua maneira, através de categorias abstratas indeterminadas.
Nestes termos o mal no mundo seria compreendido e a mente pensante estaria reconciliada com ele. Não existe realmente em lugar algum maior desafio a esta reconciliação do que na história do mundo. Essa reconciliação só poderá ser atingida através do reconhecimento dos elementos positivos em que o elemento negativo desaparece como algo subordinado e derrotado. Isto é possível, por um lado, através da consciência do verdadeiro objetivo fundamental do mundo e, por outro lado, na consciência do fato de que este objetivo foi realizado no mundo e que o mal não
pode finalmente prevalecer além dela. Para este fim a simples crença no e na providência não bastam. A “Razão”, que se diz governar o mundo, é uma expressão tão indefinida quanto a “Providência”. Sempre se fala de Razão sem a capacidade de indicar sua definição, seu conteúdo, que sozinho nos permitiria julgar se alguma coisa é racional ou irracional. O que precisamos é de uma definição adequada de Razão, pois sem esta definição não podemos ir além de simples palavras. Com isso, vamos ao segundo ponto que desejamos levar em consideração.

A Razão na História - I. Os três métodos de escrever a História

A Razão na História:
Uma Introdução Geral à Filosofia da História



I.                 OS TRÊS MÉTODOS DE ESCREVER A HISTÓRIA

Métodos de lidar com a História:
1.      A história original;
2.      A história reflexiva;
3.      A história filosófica.

1.      (a história original)

Pag. 45-46

O historiador junta o curso fugaz dos acontecimentos e o deposita para a imortalidade no templo de Mnemósina. Mitos, canções folclóricas e tradições não são parte da história, mas continuam sendo costumes obscuros, característicos de povos não muito conhecidos. Aqui tratamos de povos que sabiam quem eram e o que queriam. A realidade observada e observável é uma base mais sólida para a história do que a transitoriedade dos mitos e dos épicos. Uma vez que um povo atingiu a individualidade estável, essas formas deixam de ser a sua essência histórica.

Traz aqui Hegel o primado da realidade. Despoja a história e sua narrativa da utilização dos mitos, canções folclóricas e tradições. Inserindo essas manifestações nos tempos em que um povo ainda não atingiu sua individualidade estável. Ouso dizer, na infância de um povo.


Pag. 47

Não existem tantos historiadores quanto se poderia pensar, cujo estudo minucioso e constante seja necessário se desejamos reviver a vida das nações, penetrando em seu espírito — historiadores que não apenas nos proporcionam erudição, mas um prazer autêntico e profundo. Já mencionamos Heródoto, o pai e fundador da história, e Tucídides; a Anábase de Xenofonte, um trabalho também original; os Comentários de César são a obra-prima singela de uma grande mente.
Na antigüidade, esses historiadores eram necessariamente grandes chefes e governantes. Na Idade Média, tirando-se os bispos que estavam no centro dos acontecimentos políticos, os monges, simplórios autores de crônicas, estavam tão isolados do curso dos acontecimentos quanto os homens da antigüidade a eles estavam ligados. Nos tempos modernos, tudo isso mudou.


2.      (a história reflexiva)

É a espécie de história que transcende o presente  -  não no tempo, mas no Espírito

2.a) A História Universal, ou seja, o exame da história de um povo; de um pais, ou do mundo.

Pag. 48

O principal aqui é a elaboração do material histórico. O historiador chega a isso com o seu espírito, que é diferente do espírito do material. O importante aqui é, por um lado, o princípio com que o autor aborda o conteúdo e o significado das ações e acontecimentos que descreve e, por outro lado, o seu próprio método de .escrever a história. Conosco, alemães, a reflexão e a compreensão variam muito nesses aspectos, e cada historiador insiste em seus meios e maneiras característicos. Os ingleses e os franceses têm um conhecimento mais generalizado de com o escrever a história, pois estão em um nível mais elevado de cultura nacional e universal. Conosco, cada um cria algo de peculiar para si e, em vez de escrever a história, continuamos tentando descobrir como a história deveria ser escrita.

A admiração de Hegel não se limita a Napoleão, mas à cultura francesa e inglesa. Neste caso, à maneira peculiar que ingleses e franceses escrevem sua história. Tida por Hegel por mais elevada.

Pag. 49

2.b) História Reflexiva Paradigmática

Ao se debruçar sobre o passado a mente o traz para o presente, como recompensa pelo seu trabalho.
Isto invalida o passado e torna presente o acontecimento.


Pag. 49-50

Em geral se aconselha a governantes, estadistas e povos a aprenderem a partir das experiências da história. Mas o que a experiência e a história ensinam é que os povos e governos até agora jamais aprenderam a partir da história, muito menos agiram segundo as suas lições. Cada época tem suas próprias condições e está em uma situação individual; as decisões devem e podem ser tomadas apenas na própria época, de acordo com ela. No torvelinho das questões mundiais nenhum princípio universal e nenhuma memória de condições semelhantes poderá ajudar-nos — uma reminiscência imprecisa não tem força contra a vitalidade e a liberdade do presente.


2.c) História Reflexiva Crítica

Temos aqui, da parte de Hegeluma análise crítica das narrativas históricas, quanto à sua veracidade e confiabilidade.


2.d) História Reflexiva Fragmentária

Ela é sucinta, mas, ao adotar pontos de vista universais – por ex.. história da arte; da Lei; da Religião – forma uma transição para a história filosófica do mundo.


Pag. 51

Mas, quando uma história reflexiva desse gênero consegue apresentar pontos de vista gerais e estes pontos de vista são verdadeiros, deve-se admitir que essas histórias são mais do que simplesmente o fio externo e a ordem de acontecimentos e ações, que elas são realmente sua alma interna e orientadora. Assim como Mercúrio, o guia das almas, a Idéia na verdade é o guia dos povos e do mundo; o Espírito, sua vontade racional e necessária, orienta e sempre orientou o fluxo dos acontecimentos mundiais. Nosso propósito é aprender a conhecê-la em sua função orientadora.

Quando há um Espírito, e este pleno de idéias se projeta no mundo, acaba interferindo e orientando o fluxo dos acontecimentos mundiais. Em última instância são as idéias, melhor dizendo, os ideais que orientam e dinamizam a história do mundo. Tenho certeza ser esta a concepção de Hegel.
PC


3.      (Método filosófico)

É o terceiro método da história.

Pag. 51

“...a filosofia da história não passa da contemplação ponderada da história. Pensar é uma das coisas que não podemos ajudar ninguém a fazer; nisto somos diferentes dos animais.”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Razão na História - Introdução de Robert S Hartman

PREFÁCIO DE ROBERT S. HARTMAN
Histórico das edições alemãs e de sua tradução
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INTRODUÇÃO DE ROBERT S. HARTMAN
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I. O SIGNIFICADO DE HEGEL PARA A HISTÓRIA
Pag. 9
Assim como na filosofia de Hegel a “Idéia” (poder lógico do divino) penetra e orienta o cenário da luta histórica através dos mortais, a própria filosofia de Hegel, como expressão da Idéia absoluta, penetrou na história. E assim como a Idéia permanece intocada pela luta das paixões humanas2 que a torna real, a filosofia de Hegel continua imperturbada, como criação intelectual, acima da luta mortífera que foi e está sendo travada em seu nome.


Pag. 11
A influência de sua filosofia confirma sua tese de que, através dos homens, a Razão universal molda a história. O destino desta filosofia presta testemunho à sua forma dialética. Sendo o filósofo mais racional e mais religioso, Hegel desencadeou os movimentos mais irracionais e mais irreligiosos — o fascismo e o comunismo. Em geral, visto como o mais autoritário, ele inspirou os mais democráticos: Walt Whitman e John Dewey.

Sendo o filósofo que equiparava o que é ao que devia ser, ele liberava o maior desagrado com o que está, e assim, como o maior conservador, desencadeou a maior revolução. A forma de sua filosofia lutava com seu conteúdo, e o conteúdo, com sua forma. Separaram-se. Alguns pensadores aceitaram o conteúdo de sua filosofia e opunham-se a sua forma. Tornaram-se conservadores e eram chamados de “hegelianos de direita”. Outros pensadores aceitavam a forma de sua filosofia e
opunham-se a seu conteúdo. Tornaram-se revolucionários e “hegelianos de esquerda”. As duas facções opositoras finalmente se encontraram no abraço mortal de Stalingrado.

Pag. 11-12
Assim, o segredo da influência de Hegel é o seu método dinâmico. Ele não o inventou, suas raízes vão até às próprias fontes da filosofia grega em Heráclito; pode-se traçar uma linha, que foi traçada por Hegel, por toda a história da filosofia. Mas ele a elaborou e aplicou à totalidade do mundo o seu aparelhamento. A força do método está em sua aplicabilidade interna dinâmica e universal. Em um sentido quase literal, um pensamento “dá” o próximo — tese levando à antítese, e ambos à síntese, a última servindo como nova tese para um outro trem de pensamento abrangendo o primeiro e assim por diante ad infinitum — até que todo o mundo e todas as coisas estejam apanhados na cadeia da dialética. Por um lado, isto é possível através do completo formalismo do método, ou seja, sua independência de qualquer fato concreto; e, por outro lado, sua imersão completa na factualidade concreta do mundo. Hegel tratava o pensamento puro ao mesmo tempo como pensamento e como puro, ou seja, ambos como realidade ideal de “antes da criação do mundo”, distinta de toda existência; mas, uma vez que há um mundo existente, como emanando dele e sendo parte dele. O pensamento é o que é ideal no mundo, o mundo é o que é concreto na Idéia. Pois a Idéia não é estática, mas dinâmica; ela dá origem, por sua própria dinâmica interior, a tudo que existe. Toda existência é a manifestação, a realização da Idéia. Apenas por ser realizada é que a Idéia recebe toda sua realidade e apenas por conter a Idéia é que o existente obtém sua completa existência. Assim, a realidade se torna mais real em existência, e a existência mais existente em realidade. O pensamento e a coisa se fundem e cada um se torna mais o que é sendo o outro.


Pag. 13

Mais tarde, quando os estudantes alemães novamente levantaram a bandeira da revolução —
com muito menor violência, certamente, mas outra vez atrás de objetivos vagos e indefinidos — o ministro da educação da Prússia, von Allenstein, chamou Hegel a Berlim para tratar a imaturidade política dos jovens através de uma filosofia que pacientemente explicaria a evolução das realidades sociais e políticas. Não apenas estudantes, mas também funcionários e oficiais assistiram suas aulas e, por mais de uma década, ele foi o que alguns chamaram de Filósofo da Corte Real da Prússia.
Isto não fala contra Hegel, mas antes contra o Estado prussiano. Pois que Estado, antes ou depois, pensou em encontrar a cura para seus males políticos no ensinamento de um filósofo, reconhecido como o maior de seu tempo em espírito, independência e integridade, subvencionando-o para uma produção tranqüila, satisfeito antes de o seguir do que de comandá-lo? Assim, enquanto Hegel se
tornava o pai da revolução do século XX, ele apaziguava a do século XIX. Por isso tem sido muitas vezes chamado de reacionário e, realmente, ele ajudou a reação.
Mas, como descobrirão os leitores deste texto, o Estado que os reacionários preservavam não era o Estado que para Hegel era a culminação da história do mundo. Aqui está um dos muito mal-entendidos a que a filosofia de Hegel deu origem, não apenas através de sua dialética inerente, mas também, deve-se dizer, através de sua apresentação em geral descuidada.



Pag. 14-15

Se a história, como ele sustenta, é o autodesenvolvimento do Espírito, a realização da Idéia divina, de um plano cósmico, então o homem histórico deve ser um em quem se concentram as potencialidades de seu tempo, a situação histórica.
Mas ele é apenas uma fase no grande processo mundial, ligado aos estados individuais. Ao final do processo histórico, quando o Espírito já se realizou completamente, há um estado global de Razão universal, de toda a humanidade.
Nele a Idéia absoluta estaria completa e a grandeza histórica e espiritual coincidem. Hegel não é específico a respeito disso, alguns de seus intérpretes já sustentaram que para ele o mundo seria um eterno campo de batalha de estados. Mas o que Hegel não expressou muito claramente, encontrou expresso nas palavras de Wilhelm Von Humboldt que servem como epígrafe às Lições sobre a filosofia da História: “A história do mundo é incompreensível sem o governo do mundo”.


Pag. 15

É fato histórico que Hegel tenha influenciado grandemente o homem que se tornou o profeta da democracia norte-americana, Walt Whitman. Whitman, como Hegel, vê o estado como unidade cultural, como a totalidade de todas as idéias e instituições artísticas, econômicas, políticas e morais do povo. Como Hegel, ele reconhece o “princípio” de um povo, seu espírito próprio singular; como ele, Whitman vê a cadeia contínua de gerações se misturando ao conjunto da história além e acima da vontade do indivíduo e realmente além do globo terrestre:

Dentro dos propósitos do Cosmo, animando a toda a meteorologia e a todo o amontoado dos mundos animal, vegetal e mineral — todo o crescimento e o desenvolvimento físico do homem e toda a história da raça na política, nas religiões, nas guerras etc., há um propósito moral, uma intenção visível ou invisível, com certeza subjacente a tudo. ... Há algo que é Tudo e a idéia de Tudo, aliado à idéia de eternidade e de si, a alma, leve, indestrutível, navegando eternamente no espaço.

Esta é a versão poética da visão hegeliana. Whitman sabe que o seu sonho é
hegeliano. O poeta do futuro, que irá cantar e encarnar a democracia total que está
por chegar, deve cantar a harmonia hegeliana:

No futuro desses Estados devem surgir poetas muito mais imensos... poetas não apenas possuídos pelo fogo religioso e a simplicidade de Isaías, luxuriantes no talento épico de Homero ou pelos personagens magníficos em Shakespeare, mas coerentes com as fórmulas hegelianas.

Assim, Hegel não inspirou apenas a totalitários de direita- esquerda, mas também ao poeta da democracia. Assim como inspirou o poeta da América do Norte, ele inspirou também o filósofo da América. A filosofia inicial de Dewey é uma tradução do método de Hegel em termos experimentais e, pensava Dewey, científicos modernos. No processo de tradução, o velho texto quase desaparecia.

Mas muitos de seus princípios permanecem. A fusão de pensamento e seu objetivo,
o pensamento lógico dinâmico, o progresso do pensamento do indeterminado ao determinado, a necessidade do pensamento para a vida humana — todos estes são elementos hegelianos em John Dewey. A extensão enciclopédica da filosofia de Dewey e sua efetividade na civilização norte-americana também fazem lembrar da estatura semelhante de Hegel em seu tempo e seu ambiente.


Pag. 17

O processo dialético é assim, ao mesmo tempo, lógico, ontológico e cronológico. Tudo o que acontece no mundo tem não apenas um significado temporal, mas também lógico e ontológico. O temporal não é senão um aspecto do eterno e de sua estrutura ontológica. Por outro lado, a realização no mundo faz algo para a Idéia eterna. O espírito do Homem, a síntese da Idéia e a Natureza divinas fazem a realidade indeterminada da Idéia determinada na existência. Assim, ao pensar cada vez mais sobre o mundo e, neste processo, desenvolvendo cada vez mais sua consciência, ele faz a Idéia, ou seja, o Próprio divino pensador, cada vez mais consciente de Si Mesmo. Tudo isto ocorre no passar de gerações humanas, organizadas em Estados e nações, ou seja, em História. Assim, a História é a autodeterminação da Idéia em progresso, o autodesenvolvimento do Espírito em progresso. Além disso, como o Espírito é livre por sua natureza interior, a História é o progresso da Liberdade.


Pag. 20

Tanto para Marx como para Hegel — e também para Kant — a história é um processo impessoal. O indivíduo histórico é tanto para ele como para Hegel apenas o expoente de forças históricas: ele não faz a história, ele a executa. Para Hegel, a força que move a história é a dinâmica da Idéia; para Marx, é a dinâmica do desenvolvimento econômico que dialeticamente dá origem a uma série de classes que lutam pela posse do Estado. Dessa maneira, Marx tomou de Hegel a idéia de
processo, a idéia de progresso (o curso teleológico da história), o método dialético, o poder supra-individual da história, a primazia do coletivo sobre o individual, a ausência da ética individual. Ele rejeitou o conteúdo teológico, metafísico e qualquer conteúdo ético que o sistema tenha, suas tendências pan-psíquicas, a identidade da lógica e do ser — e traduziu a dialética em um princípio de revolução econômica e política. Aplicou a dialética a um aspecto da realidade, enquanto Hegel tentou aplicá-la a todos os aspectos, entrelaçando religião e metafísica, psicologia e valor,
ser e tempo, ambos com a sua lógica e umas com a das outras.


Pag. 21

Hegel falando de Marx.

Ao universalizar um campo limitado a um novo sistema do mundo, tornaram-se dogmáticos e megalomaníacos. Livrando-se de alguns dos “ornamentos” metafísicos do sistema hegeliano, eles também se livraram de algumas das verdades fundamentais da existência humana, especialmente a Liberdade.


II. O SIGNIFICADO DA HISTÓRIA PARA HEGEL

1. Idéia e Espírito


Pag. 21

Todo o sistema de Hegel é construído em cima da grande tríade: Idéia — Natureza — Espírito. A Idéia-em-si é o que se desenvolve, a realidade dinâmica do depois — ou antes — do mundo. Sua antítese, a Idéia-fora-de-si, ou seja, o Espaço,é a Natureza. A Natureza, depois de passar pelas fases dos reinos mineral e vegetal, se desenvolve no homem, em cuja consciência a Idéia se torna consciente de si. Esta auto consciência da Idéia é o Espírito, a antítese de Idéia e Natureza, e o desenvolvimento desta consciência é a História. Assim, a História e a Idéia estão inter-relacionadas. A Idéia é a natureza da vontade de Deus e como esta Idéia só se torna verdadeiramente ela mesma na e através da História, a História, como a caracterizou muito bem um escritor moderno, é “a autobiografia de Deus” (Sidney Hook. Ora, nas palavras de outro escritor moderno, (Ernst Cassirer) Deus para Hegel não apenas contém, mas é a História. A História, para Hegel, não é a aparência, ela é a realidade de Deus.


Pag. 22

Deus e o mundo pertencem um ao outro, sem o mundo Deus não seria Deus. (Hegel, Filosofia da Religião) A Idéia-em-si é apenas o ponto de partida de Deus — Deus antes da Criação. A Criação por si completa a Deus. Assim, Deus pode ser conhecido na Criação. Produzir o conhecimento de Deus através de um conhecimento da história do mundo é a tarefa da filosofia e, em especial, da
filosofia da História. Assim, a filosofia é a Idéia divina, ou Razão, no processo de conhecer a si mesma. Além dessa missão epistemológica, a filosofia também tem uma missão ética. Ao ver na História a realização, o desdobramento do plano divino, e supondo, por uma questão de definição, que Deus seja bom, esta visão da história necessariamente é otimista. O medo de acidente é superado na inobservância da contingência. Apenas o bem é necessário e prevalecerá. O que perece não merece sua existência, a não ser como um passo em direção ao bem. A história é assim a justificativa de Deus e de sua Bondade; ela é teodicéia. (Razão na História)


Como a Idéia-em-si se desenvolve na pureza da dialética lógica, assim a Idéia-fora-de-si, como Natureza, se desenvolve na forma de Espaço. E o Espírito — a idéia-em/e-por-si-mesma — se desenvolve na forma de Tempo, o Tempo da Consciência do Espírito. O Tempo, então, é para o Espírito o que a estrutura lógica é para a Idéia.


É um conceito complexo admito. Mas vamos devagar a ele:
A idéia, fora do espírito está para ele como Natureza, são as coisas todas, o que tenho chamado de não-eu. Já o Espírito, a idéia em si mesma e a idéia por si mesma se desenvolve na forma do tempo, ou no transcurso do tempo, como melhor entendamos. O tempo necessário para que o Espírito tome consciência de si, tornando-se um ser-para-si.
Da mesma forma que o tempo promove/propicia a consciência do Espírito; a estrutura lógica dá forma/estrutura à idéia.
PC

Pag. 23

Como o Espírito é a Idéia concreta, a seqüência de acontecimentos históricos é ao mesmo tempo temporal e lógica; ela é temporal até onde é o autodesenvolvimento do Espírito e é lógica até onde é o autodesenvolvimento da Idéia. Como tal, ela é conseqüência. Para o filósofo idealista, o autodesenvolvimento do Espírito transforma a conseqüência lógica primordial em seqüência temporal. Por outro lado, para o historiador, para quem a seqüência temporal é direta, o autodesenvolvimento da Idéia transforma essa seqüência temporal em conseqüência lógica. Mais uma vez, como a diferenciação lógica da Idéia se torna temporal no curso das diferenciações
futuras, o Tempo é apenas uma outra dimensão — segundo o espaço e estrutura lógicos — do desenvolvimento da Idéia. O processo temporal é apenas uma outra espécie de processo que segue dialeticamente ao processo lógico, que é o processo essencial da Idéia-em-si, e ao espacial, que é o processo essencial da Idéia-fora-de-si, ou Natureza. E, novamente, como o Espírito é a síntese de Idéia e Natureza, o Tempo é a síntese correspondente da estrutura lógica e do Espaço.


Pag. 24-25

Assim, como Hegel deixa muito claro, a história está tanto no Espaço como no Tempo, ela ocorre tanto na Natureza como na Mente. Como a história é o resultado da dinâmica da Idéia divina, esta Idéia é criadora de tudo o que está na História. O que os filósofos medievais atribuíram ao mistério de Deus — que Seu pensamento é a criação de coisas — Hegel atribui ao sistema lógico, que é a essência de Deus.
Sem essa concretização, como já vimos, a Idéia em si não é real, assim como nenhuma coisa tem existência completa sem o ideal nela. Isto logicamente significa que o universal se completa no particular e o particular, no universal. Essa doutrina do universal concreto em nosso texto é aplicada ao relacionamento entre o Espírito ou História Universal e o indivíduo humano, em que e através do qual o Espírito se torna concreto. Enquanto os indivíduos são mortais, o Espírito é eterno. A tensão entre a transitoriedade da vida individual e a eternidade da história, entre o Espírito e suas próprias fases históricas, constitui a dialética da história.

O Espírito não desaparece quando a vida que o leva desaparece. O grande
espetáculo da história continua. O que perece é a simples existência do presente. A realidade do presente, ou seja, o presente que manifestou a Idéia, aparece sublimado no futuro. O Espírito ganha a consciência de seu próprio passado,”daquilo que foi,” (Razão na História) e assim reaparece depois de cada desaparecimento daquela fase particular, em uma nova fase particular que inclui os pensamentos da anterior. Assim, como está ao final de nosso texto, “O Espírito ainda possui na profundeza de seu presente os momentos que parece haver deixado para trás”. Na desintegração das fases particulares o Espírito ganha sua universalidade. O pensamento é enriquecido com o passado em cada fase particular que vai passando. De fato, o passado como elemento do Espírito só é possível através da passagem da realidade concreta, a passagem da realidade é a condição para a vida do Espírito que progride sempre.
Assim, o processo histórico é para Hegel o desaparecimento contínuo do idealmente negativo ou, expressado positivamente, é auto-apresentação e auto-representação do Espírito cada vez mais claras.

Por isso, quanto mais acontece na História, mais o Espírito pode se desenvolver, mais ele pode saber e pensar. Somente a estagnação seria hostil à História. Mas o acontecimento não deve ser cego, caótico, sem direção. O Espírito não é enriquecido apenas apreendendo o concreto em sua passagem, alguns acontecimentos estão antes mais, e outros menos, em acordo com ele. O Espírito não é apenas dinâmico, não tem apenas um índice de progresso, não é, como se poderia dizer, quantitativo; ele também tem uma qualidade, um objetivo, uma direção — aquela realidade que irá durar mais e que prevalecerá no caos de acontecimentos cuja qualidade se parece mais com aquela do próprio Espírito. Esta qualidade, como já foi mencionado anteriormente, é a Liberdade.

Neste segundo parágrafo em destaque me parece que o comentador de Hegel, Hartman, levanta a hipótese do não desaparecimento do Espírito e das idéias que acumulara, o pensamento é enriquecido com o passado em cada fase particular que vai passando. Neste trecho todo podemos ver a permanência do pensamento do Espírito, em que pese inclusive seu aniquilamento material. Se o trecho não nos leva a pensar a reencarnação, não permite que esqueçamos o processo dialético da evolução, que ocorre no tempo.Vejamos:

O Espírito ganha a consciência de seu próprio passado,”daquilo que foi,” (Razão na História) e assim reaparece depois de cada desaparecimento daquela fase particular, em uma nova fase particular que inclui os pensamentos da anterior

Lembrar sempre da forte relação estabelecida entre o Espírito e o Tempo. Algo bastante claro no texto do próprio Hegel que teremos mais adiante.
PC


2. Liberdade

Pag. 25-26

Hegel mostra em nosso texto que o Espírito é a Liberdade de três maneiras. O Homem é parte Natureza e parte Espírito, mas sua essência é o Espírito. Quanto mais o homem se desenvolve espiritualmente, mais ele se torna consciente de si mesmo e quanto mais ele se torna consciente de si mesmo, mais ele se torna ele mesmo — ou seja, livre. O desenvolvimento do Espírito em direção à consciência de si na história do mundo é o desenvolvimento para uma Liberdade sempre mais pura.
A história do mundo é o avanço da Liberdade, porque ela é o avanço da autoconsciência do Espírito. Depois, não apenas o homem se torna livre, mas o Espírito em si — no homem e através dele. O Espírito é essencialmente reflexivo e necessariamente faz de si uma certa idéia, de sua própria natureza. E assim ele chega a um conteúdo de sua reflexão, não descobrindo um conteúdo, mas colocando-se em seu próprio objetivo, em seu próprio conteúdo. O conhecimento é sua forma e sua orientação. O conteúdo do conhecimento é o espiritual em si. Assim, o Espírito está essencialmente consigo, ou seja, livre. (Razão na História) Em terceiro lugar, o fato de que o Espírito seja Liberdade é visto não na natureza do homem ou na do Espírito, mas na de seu oposto, a Matéria. A Matéria é pesada porque, em gravitação, cada pedaço de Matéria luta contra algo fora de si mesmo. Por outro lado, o Espírito contém a si. A Matéria tem sua substância fora de si e o Espírito, por outro lado, está sendo em si mesmo e é precisamente isto que é a Liberdade. (Razão na História)

Este texto mostra, de forma clara e evidente, o conceito que anos mais tarde, Kardec estabelecerá como a dualidade espírito/matéria, dualidade já anteriormente preconizada por Descartes. E adotada por todos os pensadores até a chegada de Nietsche.
Outro aspecto muito importante que o texto desvenda acerca da Liberdade é o que segue adiante.
O desenvolvimento espiritual leva o Espírito à consciência de si mesmo, isto em primeiro lugar. Uma vez consciente de si mesmo, este se torna livre, e quanto maior for este conhecimento de si mesmo maior será a sua liberdade. Sendo o processo de autoconhecimento algo sem limites, podemos concluir que não haverão barreiras à Liberdade do Espírito.
PC

Pag. 26-27

A Liberdade, como o Espírito, é dinâmica, ela progride dialeticamente contra seus próprios obstáculos. Ela jamais é dada, deve-se lutar para obtê-la. Cada afrouxamento do Espírito significa voltar à inércia da Matéria, o que significa a destruição da liberdade quando os homens estão sujeitos à Matéria (como ocorre na pobreza, na doença, no frio, na fome), ou quando estão sujeitos a outros homens e são usados por estes como objeto. Por outro lado, o Espírito ao superar assim seus próprios obstáculos elaborando e compreendendo a si mesmo na História é continuamente criativo, mas sua criatividade não é nada de ontologicamente novo, ela é predeterminada na potencialidade pura da Idéia pura. É a Idéia em si, a Razão, que se completa na História. O Espírito, ao criar a si mesmo no tempo, cria o “segundo reino” da realidade, depois do reino da Natureza. Ele assim completa o mundo, que tanto é a Natureza como o Espírito. A própria autoconsciência do Espírito é, portanto, ao mesmo tempo a própria autoconsciência do mundo, é uma consciência de mundo.
Desde que o mundo está completo, ou é uma existência que se autocompleta, a existência em si é autoconsciente e, em tudo existente, até onde seja real, há uma autoconsciência. Isso, às vezes, proporciona à apresentação hegeliana um matiz pan-psíquico, como acontece no exemplo dos elementos que se batem entre si na construção de uma casa. (Razão na História) A essencialidade da autoconsciência para a existência é parte da dialética hegeliana. Pois, de que outra maneira, cada coisa natural poderia “buscar” transcender a si dialeticamente? Um vestígio de Espírito, de consciência, já deve estar no reino natural. O mesmo acontece em relação ao conceito em si na lógica pura. O universal se “esforça” em direção ao particular e o particular se “esforça” em direção ao universal. Esta luta é dada na própria natureza da vontade de Deus, que é a fonte de toda a criação. Apenas no reino humano ela emerge completamente em autoconsciência.

Se Hegel afirma que um vestígio de Espírito, de consciência, já deve estar no reino natural, temos que ele já propõe o que venho chamando de ProtoEspírito, todas as manifestações que precedem o Reino Hominal. Desde o mais simples elemento no seu processo de dilatação e contração, até os chipanzés com suas diversas habilidades no uso de ferramentas.
Há, segundo o texto uma aproximação (um esforço) do universal na direção do particular e (um esforço) do particular na direção do universal, sendo esse processo da natureza da vontade de Deus, que é a fonte de toda a criação.  
Nos reinos inferiores da criação isto acontece de forma natural, por automatismo de certa forma. Apenas quando chega ao Reino Hominal emerge no Espírito a autoconsciência.
PC








 

Pag. 27-28

3. O Espírito nacional


Os “indivíduos” primários, em que o Espírito ou Liberdade se incorpora mais imediata e diretamente, são os povos e as nações da terra — vistos, não com os olhos de nacionalistas limitados, mas com os do filósofo cósmico. Por Estado ou nação Hegel entende uma cultura ou civilização, uma organização de liberdade. A Liberdade, não no sentido de licença mas no de liberdade organizada, só é possível nos Estados. Portanto, não há história, a menos que haja Estados organizados. O Espírito Nacional como diferenciação do Espírito universal é que define toda a vida cultural de um povo, proporciona sua Gestalt (do alemão = forma, aparência) nacional, seu clima e seu ambiente cultural.

Há de se notar aqui o fato de Hegel se referir ao Estado como um Estado Ideal. Algo muito distinto/diferente dos estados que hoje se apresentam em qualquer parte da Terra.


Pag. 28

Portanto, é bastante verdadeiro que um Estado pode ser Espírito, tornar-se concreto, e que a natureza espiritual de um indivíduo possa encontrar sua plenitude em um Estado. Na organização do Estado, o Espírito atinge a objetividade concreta, que suplementa a subjetividade do indivíduo como tal. Também não é paradoxal dizer que um Estado — uma civilização, uma cultura com todas as suas instituições de lei e religião, arte e filosofia — é “a Idéia divina como ela existe na Terra”, a Idéia divina em realização relativamente mais elevada. Numa cultura dessas o indivíduo não se torna consciente de si mesmo como indivíduo cultural e só assim tem a possibilidade de desenvolver suas capacidades, sua liberdade plena?  Isto implica, por outro lado, (Razão na História) que uma organização coletiva que mantém apenas a forma mas não o conteúdo daquilo que Hegel chama de “Estado”, um poder burocrático sem uma cultura, ou, pior ainda, um pseudo-Estado que usa este poder formal para destruir todo o conteúdo cultural e todo o desenvolvimento individual dentro dele, é uma monstruosidade, o verdadeiro oposto de um Estado. Hegel pensou realmente em um “Estado” desse gênero, embora jamais pudesse imaginar todo o seu caráter sinistro.

De um tal Estado, diz ele, não devem restar senão ruínas.(Razão na História) Mas este não é um Estado no sentido hegeliano. É o que Hegel chama de “existência podre”, uma negação dialética do Estado, que deve perecer. É o Estado da ralé, que “seria apenas uma força informe, cega e selvagem, como a de um mar bruto e tempestuoso” — apenas mais destrutiva. Não há dúvida de que ele teria encarado o Terceiro Reich hitlerista como uma negação desse tipo da própria essência do Estado. Ele hoje veria em suas ruínas a necessária conseqüência de seu mal, uma existência antiideal, antiespiritual, apenas sensual e mecânica. Neste sentido, esse “Estado” não foi histórico, ele não compartilhou da História como o autodesenvolvimento da Liberdade, mas apenas como movimento contrário à História, sobre o qual ela passa continuamente ao se desenrolar. Foi o verdadeiro oposto de um Estado. (Essa tese foi desenvolvida por Franz Neumann em Behemoth, Nova York, 1944.)


Neste ponto Hartman deixa clara a distinção entre o estado preconizado por Hegel, e o hitlerista com todas as suas discrepâncias: uma existência antiideal; antiespiritual; apenas sensual e mecânica.
PC

Pag. 29

O Povo é uma concretização do Espírito ou, falando-se logicamente, um exemplo dele. Assim como desenvolve seus princípios, ele cresce em sua universalidade. Quando os esquece ou neglicencia, ele desaparece dela. Nestes princípios o povo encontra a consciência de si. No auge de seu desenvolvimento, pela própria dialética do processo — pois de outra maneira o desenvolvimento não estaria em seu auge — ele deixa de lutar para avançar. Volta-se para trás e, por assim dizer, goza o que atingiu. E, então, o auge passa ao declínio. Neste ponto a reflexão floresce, surgem a arte e a filosofia, mas a vontade — a realização temporal da vontade divina nessa forma e nesse molde — enfraquece.


Pag. 29-30

A história, através das culturas nacionais, é o processo do Espírito caminhando para seu próprio eu, para o conceito cumulativo de si, de nação para nação. O fato de uma civilização compreender o seu próprio eu leva seu espírito em direção a outras civilizações, onde mais uma vez o Espírito do Mundo surge em alguns indivíduos, começa a ser conhecido e finalmente modela o novo povo em uma nova civilização cheia de significado histórico. A totalidade de todas essas civilizações é a Idéia quando se completou em plenitude absoluta no tempo infinito: a Idéia absoluta.
Arte, religião ou filosofia, criadas por Estados finitos, transcedem em significado cósmico os Estados de onde emanaram — elas são o puro Espírito puramente realizado. Além do Estado, como Espírito objetivo, está a Idéia absoluta. Nessa esfera o indivíduo está à vontade em um sentido mais elevado do que como cidadão. Aqui ele é o homem como criador — artista, santo e filósofo.



Pag. 30

4. As quatro espécies de homem


Para Hegel, com relação ao Estado, estas quatro espécies seriam esquematicamente:
1.     O cidadão – o que sustenta a moral do Estado; a moral do cidadão é a moral do Estado;
2.     O indivíduo – é a moral da Idéia absoluta;
3.     O Herói – a moral do Herói é a moral do Espírito do mundo;
4.     A vítima – é a moral da situação privada, que não conta historicamente.
O esquema acima nos apresenta o que teremos pela frente.

Pag. 30

a.                O cidadão

Sua racionalidade particular é realizada no Estado. Mas isto não é a racionalidade absoluta. O Estado em si é apenas uma fase na história – ele jamais é a conclusão, o ponto final do avanço da consciência na liberdade, que é a história do mundo. O Estado é moral apenas até onde a moral é realizada na Terra naquele momento.

Pag. 31

Segundo o próprio Hegel:
“Um Estado está então bem constituído e é internamente poderoso quando o interesse privado de seus cidadãos tem o mesmo interesse em comum com o Estado, e um encontrando gratificação e realização no outro”. (Razão na História)

Esta é a situação ideal. Quando as necessidades de todos os cidadãos se complementam com todas as necessidades do Estado.
Não é à toa que Hegel é tido por representante máximo do Idealismo Alemão.


A História é o avanço da consciência de liberdade. No momento em que o indivíduo está consciente de sua liberdade, ele é o cidadão do Estado moral, membro de uma comunidade cultural. O Estado, e não ele mesmo, é o universo de sua liberdade — ele em si é apenas um exemplo. Essa fase de desenvolvimento pode ser transcendida no homem absolutamente moral, o indivíduo, e no homem historicamente moral, o herói.

Pag. 32

Mas deve ficar bem claro que, a partir de sua premissa — de que o Estado é “a vida que existe externamente, autenticamente moral ... a união da vontade universal e essencial com a vontade subjetiva e, como tal... Moral”32 chega-se à conclusão de que “o indivíduo que vive nessa união tem uma vida moral, um valor que consiste apenas nesta existência real... As leis da ética não são acidentais, mas são a própria racionalidade. A finalidade do Estado é fazer prevalecer o material e se fazer reconhecer nos feitos reais dos homens nas suas convicções”.33 Foi esta visão de Estados que inspirou Walt Whitman. Os totalitários não poderão encontrar conforto nela. A liberdade puramente subjetiva é cheia de caprichos, mas a Liberdade universalizada na forma concreta de uma civilização é objetiva e, assim, moral concreta. Sua forma objetiva é a lei.34 Hegel nos diz: “Em sua, a vitalidade do Estado nos indivíduos é o que chamamos de Moral.” Foi o caráter vago e abstrato da lei moral individual, especialmente a kantiana, que levou Hegel a esta condensação da lei moral na lei do Estado. O Estado tornou-se assim a ordem das vontades racionais, e a vontade racional é livre quando e até onde ela é parte e segue esta ordem.


Pag. 33

Mas não há nenhum dever de obediência cego para o cidadão hegeliano, há uma coincidência de caráter e de inclinação entre o cidadão racional e seu Estado. Mais uma vez, sua afirmação de que o Estado não está aqui para o cidadão, mas que o cidadão deve tudo ao Estado tem sido mal interpretada no sentido totalitário, quando ela realmente significa que o Estado é aquela criação que proporciona ao indivíduo o campo de ação para seu esforço racional inato.


Pag. 34

b.                O indivíduo

A moral do cidadão é apenas moral relativa. Há um recesso mais profundo do espírito humano que está além do Estado e que é o domicílio da moral absoluta.
Como já vimos, o Estado é apenas relativamente o mais elevado desenvolvimento do racional. O universal, sendo o potencialmente absoluto, vive no coração e na mente do ser humano e este absoluto não é tocado pelo Estado, a não ser quando o Estado é o próprio Absoluto, que o será apenas no final da História — se algum dia houver um. O homem como ser absolutamente moral, o Indivíduo Humano — mais do que como o ser relativamente moral, que é o cidadão — tem um aparecimento fugaz em nossas páginas. Sua moral é intrínseca e pessoal, contrária à moral extrínseca e social do cidadão. Há um elemento no homem “que absolutamente não está subordinado” — nem à astúcia da Razão, nem realmente ao próprio curso da História, mas que “existe nos indivíduos como inerentemente eterno e divino”. Esta “moral, ética e religião”42 jamais é propiciada, garantida ou suplementada pelo Estado. Ela existe de maneira absoluta. Neste sentido o homem é um fim em si mesmo, ele possui a divindade. Sua divindade não está sujeita ao
desenvolvimento, mas existe em sua forma absoluta. Isto é a Liberdade absoluta, pela qual e através da qual o homem é responsável por si. Não importa o quão circunscritas estejam as circunstâncias de sua vida, essa moralidade interior tem valor absoluto, infinito. “Está bastante desligada do estrépito da história do mundo,” de suas implicações lógicas dialeticamente contingentes e as dialeticamente necessárias.


Pag. 36

c.                O Herói

Entre o homem de moralidade relativa ou social e o homem de moral absoluta ou individual está o herói histórico, em quem o exclusivamente individual se funde com o universalmente social — com o Espírito do Mundo em direção à Idéia absoluta, a partir de uma fase relativamente histórica para a próxima. Este é o terceiro homem em nosso texto. Nele se concentra a situação histórica. Como indivíduo, com todos os seus ímpetos e poderes, ele não é nada senão a matéria-prima do Espírito do Mundo, que o agarra com uma paixão histórica avassaladora. O Espírito abstrato assim adquire o poder concreto de realização. O indivíduo enquanto matéria-prima para a eficiência histórica do Espírito do Mundo é essencialmente força, a força motora da história, cuja direção é determinada pelo Espírito. Hegel coloca a ênfase na direção; outros autores, como Goethe, a
colocaram na força. Mas, mesmo Hegel, muito à maneira de Goethe, fala da identidade quase animalesca da paixão do homem pela idéia do Espírito.


Para Hegel este Espírito que se funde com o universalmente social ou Espírito do Mundo em direção a Idéia absoluta partindo de uma fase histórica para outra. Esse é o herói na concepção de Hegel. Nada parecido com os heróis da ficção, mas herói no sentido de ser ele o motor da Historia.

Em homens históricos desse tipo o capricho de inclinações e desejos não está fundido na lei objetiva do Estado, como no cidadão, mas antes nas demandas do próprio Espírito do Mundo, que, com a ajuda deles, gera estas leis. Eles são, por assim dizer, a forma ainda fluida do Estado futuro e suas instituições. Sua moral não é a do Estado, mas a da criação do Estado. É a idéia criativa do próprio Estado futuro. O Espírito do Mundo, como diz Hegel, esbarra por eles na superfície da
realidade, pronto a romper o que está, como uma concha. A fonte da força do herói ainda está oculta sob a superfície da realidade, ele tem acesso direto à realidade da Idéia e ela o inspira a seus feitos, preenchendo todo o seu ser com uma vontade concentrada e fazendo dele assim o sujeito da história, seu criador, que traz à luz o que ainda está oculto no ventre do tempo. É o homem heróico que empurra a história para diante. Por outro lado, o herói hegeliano é completamente orientado pelo Espírito do Mundo e o Espírito do Mundo o utiliza, astutamente, para seus próprios fins. O herói não influencia o Espírito do Mundo. Não há nele uma espontaneidade ontológica que instile na idéia aquilo que não está nela antes que ele houvesse aparecido.

Os homens históricos seriam o embrião do Estado futuro e de suas instituições. Sua moral não e a do Estado mas a da formação desse Estado Futuro através de sua consonância com o Espirito do Mundo.
Já o herói hegeliano e o Espirito do Mundo estão perfeitamente integrados, sendo que o Espírito do muno se vale do herói hegeliano.


Pag. 37

d.                A Vítima

Pag. 37-38

O herói histórico, através de sua percepção e energia, é o sujeito da história. O indivíduo humano sem tal percepção e energia é o objeto da história, sua vítima. De certa maneira ele é culpado de sua própria morte e de seu sofrimento porque não se mostra à altura do momento, que são as possibilidades do ser humano ver o conjunto da situação histórica. Sua moral é uma quarta espécie de moral, além da moral do cidadão, que é a do Estado; a do indivíduo ético, que é a Idéia absoluta; e a do herói, que é o Espírito. Esta quarta moral é a da situação privada circunscrita. A vítima é o
homem ou mulher comum, que prefere a felicidade à grandeza. Hegel não vê a grandeza da felicidade, a arte do indivíduo em modelar sua vida, unindo com êxito a sucessão de situações da vida. Essa ética do sucesso particular não existe para Hegel.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   
Esta quarta categoria é a do homem comum. Aquele que se contenta com sua felicidade quotidiana, e ouso dizer, medíocre. Hegel diz que este prefere a felicidade à grandeza. Percebamos nesta expressão a felicidade grafada com f minúsculo; e grandeza a atitude daquele que, de uma maneira ou de outra interfere na História.

                           
Pag. 38

Assim, o homem em particular é sempre logrado e decepcionado pelo Espírito do Mundo, sendo ele seu agente ou sua vítima; ocorre apenas que a vítima aparece também como vítima de seu agente. Raramente se observa que o agente, o herói, seja também vítima das vítimas. Hegel deixa isto claro. Ele mostra como o herói é desacreditado, invejado e traído, seu trabalho é mal compreendido e imposto na pequenez das mentes pequenas de lacaios e parasitas históricos.                        

Temos assim que tanto o homem comum de que falamos Acima ou o herói hegeliano anteriormente citado, ambos estão sob a égide, sob o comando do Espírito do Mundo. Lembrando aqui que significa para Hegel a expressão Espirito do Mundo: exatamente o processo de desenvolvimento histórico e social.

Pag. 39

Os fracos são aqueles que não conseguem ler os sinais dos tempos. O que acontece a eles é o mesmo que acontece ao pedestre que não leva em consideração os sinais de trânsito. Em vez de lastimar este fato, devemos abrir nossos olhos para a história e ajudar os outros a fazê-lo. Se vemos o tanque da história avançar em sua forma dialeticamente negativa, não temos necessariamente de nos unir a ela ou sermos por ela esmagados. Podemos sair de seu caminho, como fez a maioria dos emigrantes europeus para a América.

Vemos aqui a preconização da liberdade de decisões do Espírito, melhor dizendo: seu livre-arbítrio.


Pag. 39-40

O material histórico do Espírito, o homem, ainda é imperfeito. O propósito da história é, precisamente, o de aperfeiçoar o homem cada vez mais. Para Hegel, este é o objetivo primordial da história. Ele vê a história de maneira teleológica e exclui todo o contingente, traçando o grandioso esboço apenas do drama cósmico, cujo detalhe humano em geral é a tragédia. Ao encarar a história deste modo, apesar de seus esforços para ser concreto, ele muitas vezes continua bastante abstrato.
Especialmente ao ver a vítima da História sendo punida apenas por sua falta de visão, ele abstrai da plenitude do homem, que não é apenas um indivíduo privado e, como tal, deixando de viver de acordo com a História, mas também um indivíduo moral com o direito a entrar em dissidência com ela. É este indivíduo, o nosso segundo homem, que cai vítima da história junto com o quarto. Ou seja, a unidade do homem cai vítima da falência de um de seus aspectos. Este descuido para com a
moral intrínseca do homem no progresso universal da Razão é a principal deficiência da Filosofia da História de Hegel. Sua ênfase na liberdade carece, portanto, de uma base muitíssimo óbvia. A característica humana do homem, centro da religião judaico-cristã, é vista na liberdade organizacional de um Estado, mais do que na intimidade da consciência do homem.

Ao final desta Introdução Hartman faz uma crítica à Filosofia da História de Hegel. É de meu interesse, no entanto, recai nas 3 primeiras linhas onde ele afirma ser o Espírito, o homem, ainda imperfeito, tendo a História por objetivo aperfeiçoa-lo cada vez mais.
Não precisamos de ginásticas de raciocínio para perceber:
Este conceito, precisamente o mesmo, vem mais tarde, expresso de outra maneira nas obras de Allan Kardec.
PC

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Fim da Introdução de Robert S Hartman
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