Deus para Hegel
As atividades religiosas
A estética hegeliana é uma filosofia da Arte. A análise da Religião se coloca na mesma ótica. Como a Arte, a Religião é da ordem do em si para si. Mais precisamente até, como nos adverte a
Fenomenologia do espírito, a atividade religiosa é a do Espírito em si pra si apreendendo-se em sua imediatidade. As Lições sobre a filosofia da religião — como a Estética — definem, ao mesmo
tempo, o universal, a essência e as manifestações particulares que são sua realização progressiva e dramática. Há uma essência da Religião que tem seu status na ordem do Espirito e cujos momentos
de constituição interna podem ser reencontrados a cada nível de seu desenvolvimento. Mas essa essência só se realiza e se compreende em relação com o devir do próprio Espírito na multiplicidade de suas determinações.
Assim, a Religião, na sua generalidade, deve ser apreendida quer como momento do Espírito, quer nas suas manifestações particulares, como expressão da cultura que, aos poucos, chega à compreensão de si mesma A religião grega, por exemplo, ocupa seu verdadeiro lugar na Ciência apenas na medida em que é discernida, ao mesmo tempo, como uma etapa (na qual devia permanecer e que devia superar, em breve, a atividade religiosa como tal, em seu empreendimento de construção de si) e como manifestação do Espírito (quando se encontrava na Grécia e no mesmo momento estava presente em Fidias, Sófocles, Tucidides e em Sócrates). O que estudaremos no capítulo final, como sendo o empirismo hegeliano, atinge aqui — assim como nas Lições sobre a história da filosofia, que não teremos a ocasião de retomar - sua apresentação mais elevada e sutil.
A Religião é da ordem do Espírito: não é dele o exterior, o contingente, o excedente, e menos ainda a superação ou a verdade.
Nem o Aufklarung (Iluminismo); que quis substituir a tradição por uma "teologia natural", fundada muna análise racional do conceito do Ser infinito, nem o sentimentalismo religioso, consolidando-se na paixão desenvolvida pela consciência de si quando percebe sua finitude e aspira ao além, permitem compreender o fato religioso. Um e outro, aliás, provam sua carência, pois continuam discutindo, com argumentos e golpes de força, aquilo mesmo que está no fundamento da religião: a existência de Deus.
Não há por que rejeitar as provas da existência de Deus: a esse respeito, a demonstração kantiana recorreu ao trabalho abstrato do entendimento. Para o Espírito, quando está na imediatidade do em
si e para si, Deus existe. O Espirito então se pensa ele mesmo e a consciência de si que se pensa nele experimenta sua infinita liberdade. Foi isso que Descartes estabeleceu com a maior clareza.
A critica de Kant não alcança seu objetivo: indica apenas a incapacidade do pensamento analítico de apreender a adequação necessária que se estabelece entre o Ser e o Pensamento. A Crítica
da razão pura é, no fundo, apenas a negação abstrata da metafisica tradicional: não vê que é, exatamente, o argumento dito ontológico que temos de aceitar se quisermos dar ao projeto filosófico toda a sua significação.
O pressuposto de toda filosofia da Religião é que Deus existe.
Argumentar sobre isso é irrisório. E recusar o fato das religiões o é mais ainda. Resta mostrar como, através destas últimas, a concepção de Deus se precisa e se institui. Somente analisando-a
poderemos pôr a Religião e as religiões no lugar que convém à essência daquela e ás particularidades destas.
Assim como o Belo é o objeto da Arte, Deus é o objeto da Religião. Deus é "o absolutamente incondicionado, bastando-se a si mesmo, existindo por si mesmo, o começo e o fim derradeiro absolutos em
si e para si''. Quanto à religião, "ela representa o espírito absoluto não apenas pela intuição e pela representação, mas também pelo pensamento e pelo conhecimento. Sua destinação capital é elevar o indivíduo ao pensamento de Deus, provocar sua união com Ele e assegurá-lo dessa unidade". Essas definições, porém, são demasiado gerais. Determinam a função da religião que é para todos os homens: não é a filosofia, que não é para todas os homens. A religião é a maneira pela qual todos os homens se conscientizam da verdade, e alcançamos isso pelo sentimento, pela representação
e pelo pensamento racional. A noção de religião deve ser considerada em relação a essa maneira geral pela qual a verdade chega ao homem.
Para chegar-se ã essência da Religião, ao mesmo tempo, repitâmo-lo, como domínio especifico e como manifestação do Espírito em geral numa determinada época, no seio de uma determinada comunidade, é preciso seguir o movimento de seu devir; da mesma maneira, para saber o que significa esse conceito: Deus, convém compreender os diversos avatares de Deus até o momento em que ele é o que se tomou, isto é, o para si do Ser em si e para si.
A história hegeliana da Religião, como a história da Arte, é pois simultaneamente a análise dialética de um conceito e uma filosofia da História parcial estudando os diferentes momentos do devir do homem através de suas "ideologias religiosas" sucessivas.
Esse segundo aspecto é enfatizado pela Fenomenologia do espírito.
A consciência não "espera" — no desenvolvimento ao mesmo tempo lógico e histórico do texto — que o Espírito se conheça como Religião para ser religiosa. A exigência da demonstração leva Hegel a descrever, por várias vezes, em função de qual dialética, aqui ou ali, a consciência (tomada individual e abstratamente) exige a representação do Absoluto em si e para si, nele se reconhece
e se perde. Mas isso ainda não é a religião: esta só é pensável e vivível em função do Espírito, isto é, da consciência (apreendida em sua individualidade abstrata) superada, em função da comunidade.
Arte e Religião são as manifestações do Espírito enquanto caminha silenciosamente pelas sociedades e constitui sua unidade secreta.
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Deus. o espírito e a religião segundo Hegel.
O texto é mais amplo prossegue na discussão, mas esse trecho traz um todo capaz de se fechar.
Esse trecho foi um petardo nas minhas convicções de ateu. Me emocionou.
A emoção me chama para um lado, mas ao ver as atrocidades do mundo, as atrocidades sofridas, até onde pode o homem chegar em sua baixeza.
Deus não pode efetivamente existir. Não permitiria essa coisa que por aí anda. Em seu nome que fazem?
As religiões a quem servem? Os religiosos de todas as instituições, mesmo as que se dizem laicas, que fazem?
Não, efetivamente não.
Paulo Cesar Fernandes
29/06/2015
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